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Farsa da investigação comercial

A defesa pragmática e hipócrita das big techs

A respeito das supostas “práticas comerciais desleais” do Brasil, Donald Trump pediu ao representante de Comércio dos Estados Unidos que abrisse uma investigação, com a medida sendo tomada com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que prevê a investigação de práticas estrangeiras desleais que prejudicam o comércio norte-americano. Por conseguinte, com tal medida, os EUAs podem corrigir práticas comerciais desleais por meio da aplicação de tarifas ou sanções contra o país que estiver sendo investigado.

O Itamaraty se manifestou e prometeu responder às alegações infundadas dessa investida, questionando diversos setores de atividades do Brasil, o que acabou acontecendo neste último dia 18 de agosto, em que a resposta foi protocolada pelo Itamaraty. O documento rebate as falsas alegações do USTR (Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos) e reforça o compromisso do Brasil com a parceria estratégica com os Estados Unidos, com um comércio justo e aberto, sustentando que “seus atos, políticas e práticas não são, de forma alguma, irracionais, discriminatórios ou onerosos para o comércio dos EUA”.

E tal resposta se conclui com o governo brasileiro solicitando ao USTR que se abstenha de fazer constatações afirmativas e impor medidas unilaterais como resultado da investigação da Seção 301, instrumento considerado inconsistente com os princípios e regras do sistema multilateral de comércio, e que é uma posição já de longa data do governo do Brasil.

A diplomacia brasileira ainda acrescentou que não reconhece como legítimas tais investigações, determinações ou potenciais ações, por se tratar de pretensas retaliações, que se encontram fora do arcabouço legal da Organização Mundial do Comércio (OMC), o único fórum apropriado para a solução de disputas comerciais entre seus membros.

Por fim, o governo respondeu, ponto a ponto, aos seis questionamentos levantados pelas autoridade comercial norte-americana, que são o comércio digital e serviços eletrônicos de pagamento, as tarifas preferenciais, o enfraquecimento do combate à corrupção, a propriedade intelectual, as barreiras ao etanol norte-americano, e o desmatamento ilegal. Em que se ressalta a integridade das instituições brasileiras, que não são negociáveis.

Já o documento oficial norte-americano, divulgado em 15 de julho deste ano, misturava as alegações comerciais e políticas como forma de justificar a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, incluindo a mentira de déficit comercial dos Estados Unidos com o Brasil. As alegações incluíam tarifas preferenciais e injustas, proteção inadequada de direitos de propriedade intelectual, falta de combate ao desmatamento ilegal, além das supostas práticas que prejudicam a competitividade das empresas no setor de comércio digital e serviços de pagamento, o que incluiu a questão falsa e suspeita de interesses das big techs em torno do sucesso do Pix.

Ao fazer tal investida, Trump tentou dar motivações econômicas para justificar as sanções tarifárias e para que as mesmas não sejam, portanto, consideradas ilegais, e com a intenção de punir ações discriminatórias contra empresas norte-americanas, em que o USRT cita o julgamento feito no STF. Ademais, o descontentamento de Trump também era devido ao fato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter se tornado réu da investigação em torno da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. O USTR, por sua vez, cita o julgamento recente do STF sobre regulamentação das plataformas digitais no país como um exemplo.

A Corte brasileira votou a favor da responsabilização das empresas de redes sociais por postagens ilegais de seus usuários, mesmo sem ordem judicial de remoção de conteúdo. Mudança que se refere ao recurso julgado pelo STF sobre o artigo 19 do Marco Civil da internet, em que as plataformas só poderiam ter responsabilidade por danos causados por conteúdos ofensivos de usuários que, após ordem judicial específica, não foram removidos.

Tal decisão, é bom lembrar, contempla casos de crimes, atos ilícitos e contas criadas por robôs, em que as empresas de mídia social, após notificação extrajudicial pela vítima ou advogado, são punidas caso não removam o conteúdo, e a Justiça, em seguida, considerar o material ofensivo. Tal decisão do STF se deu no final de junho deste ano. Portanto, crimes contra a honra, ou seja, que envolvam injúria, calúnia ou difamação, ainda são passíveis de uma ordem judicial para a remoção de conteúdo.

Referindo-se às ações do ministro Alexandre de Moraes, o USTR aponta “ordens secretas” emitidas pela Justiça brasileira na instrução de empresas de mídias sociais norte-americanas, para a “censura de centenas de postagens e remoção de críticos políticos, incluindo cidadãos dos Estados Unidos, por proferir discursos legais dentro do território norte-americano”. O que tem relação, ao fim, aos bloqueios de perfis em redes sociais de usuários acusados de atentar contra a democracia brasileira e as eleições, levando à invasão dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, configurando tentativa de golpe de Estado.

Tal processo de pressão norte-americana sobre as regras digitais brasileiras é algo que já ocorreu na União Europeia (UE) há alguns meses, em que Trump alegou que a regulação do bloco europeu das big techs foi uma manobra para enfraquecer os negócios norte-americanos nos 27 países que compõe a UE.

Neste segundo governo Trump, ocorre um momento de exportação dos interesses domésticos dos Estados Unidos, em que se busca proteger as empresas privadas do país, relativizando obrigações internacionais em torno das ações destas big techs. Portanto, se trata de uma defesa pragmática e hipócrita das big techs pelo governo Trump, ao passo que os outros países defendem as suas soberanias através de regulações em torno do ambiente digital e dos serviços nele inseridos.

Por sinal, logo após o anúncio do tarifaço contra o Brasil por Trump, na rede Truth Social, o grupo CCIA (Computer & Communications Industry Association), sigla em inglês que se traduz por Associação da Indústria de Computadores e Comunicações, publicou uma nota aplaudindo a iniciativa. E foi essa mesma associação que, no final de 2024, elaborou um mapa de todas as ações tomadas pelo Legislativo e Executivo brasileiros que iam contra os interesses das big techs.

O relatório da CCIA foi apresentado ao Departamento de Comércio norte-americano em outubro de 2024, e foi Jamieson Greer, representante do departamento, que conduziu a investigação determinada por Trump ao se apoiar na seção 301, o que permitiu que um grupo de lobby, através deste relatório, pedisse que o governo dos Estados Unidos monitorasse e atuasse contra as medidas tomadas no Brasil em torno das empresas de plataformas digitais.

O grupo de lobby alegou que medidas como a de suspensão da rede X, antigo Twitter, de Elon Musk, determinada pelo STF em agosto de 2024, por não ter representante no Brasil, além de uma multa de U$5 milhões que a plataforma teve que pagar, foi algo drástico, com consequências no cenário de investimentos e que poderia desencadear ações semelhantes por parte de regimes autoritários no controle de conteúdo online, restringindo a liberdade de expressão e de oposição política, e minando a internet aberta e globalmente conectada.

Quanto ao Projeto de Lei n° 4.097/2023, que alteraria uma lei de 2014, com novas medidas de soberania digital, dentro do escopo da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que é de 2018, esta que segue o modelo legislativo da União Europeia (UE), só que com regras sobre transferência de dados mais rígidas, teria como efeito obrigações de propriedade e controle local de empresas de tecnologia, em que uma considerável porcentagem do capital social com direito a voto destas estaria em domínio de brasileiros.

A CCIA critica estas propostas do Legislativo brasileiro para proteção de dados, e no relatório pede monitoramento por parte do governo norte-americano da implementação da LGPD, e sugere que o representante do departamento de Comércio deve instar o Brasil a considerar os mecanismos de proteção de privacidade utilizadas nos Estados Unidos como adequadas sob a legislação do Brasil. Ao passo que as big techs, por sua vez, pedem ao governo dos Estados Unidos que instem o Brasil a rejeitar o Projeto de Lei nº 4.097/2023.

O grupo de lobby questionou, também, a lei que ficou conhecida como “taxa das blusinhas”, que incidia em compras internacionais de até 50 dólares, que foi estabelecida em agosto de 2024. A CCIA alega que esta taxação é uma barreira ao comércio eletrônico e que aumenta o tempo e o custo do processo de liberação aduaneira, e que o governo norte-americano deveria pressionar devido ao fato de que tal medida seria incompatível com as obrigações do Brasil com o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).

Sobre o projeto de regulação da Inteligência Artificial (IA), que foi aprovado no final de 2024 pelo Senado, o grupo de lobby afirma que é preocupante, pois elenca obrigações excessivas de relatórios para ofertas de IA, com compensações sobre direitos autorais que ultrapassam as aventadas em outros países, podendo prejudicar o desenvolvimento de aplicações de IA no próprio Brasil, sendo que os Estados Unidos deveriam monitorar tal processo, para garantir um alinhamento com acordos internacionais e evitar “tratamento discriminatório” com fornecedores norte-americanos.

A CCIA também questiona o PL que autoriza a Agência Nacional de Telecomunicaçõe (Anatel) a regular as plataformas digitais, o que para tais empresas seria uma concessão de ampla autoridade discricionária na definição de termos e regras sobre as mesmas para a agência. O grupo de lobby ainda levanta outras questões de ampliação tributária, pois, por exemplo, se tem uma MP (Medida Provisória) do Ministério da Fazenda que já atinge multinacionais que operam no Brasil.

O grupo de lobby ainda cita uma consulta pública lançada pela Anatel em 2023, que discutiu sobre a regulamentação de “Serviços de Valor Adicionado”, em que se incluía a adequação de taxas de uso da internet no Brasil. Ainda se tem a crítica sobre um PL em tramitação na Câmara, que é uma proposta de contribuição de 5% para o Fundo Universal de Telecomunicações por parte das plataformas digitais, uma lei que, segundo a CCIA, poderia violar o princípio de neutralidade competitiva sob as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) que regem o serviço universal, ao dar tratamento preferencial a fornecedores brasileiros às custas de estrangeiros sem acesso ao Fundo citado.

Por fim, o relatório aponta para mudanças no regime Ex-Tarifário, sistema que permite redução de alíquota do Imposto de Informática e Telecomunicações de bens de capital (BK) quando não se tem equivalentes no Brasil, o que permite queda de impostos para negociações com empresas estrangeiras na área de informática e de telecomunicações, pois uma resolução do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil, de agosto de 2023, determinou que tais empresas multinacionais que operam no Brasil, para obtenção da isenção prevista anteriormente, deveriam agora apresentar um plano de investimento com detalhes sobre a necessidade de equipamento, ganhos de produtividade e tecnologias introduzidas com seus produtos.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: poesiaeconhecimento.blogspot.com

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