Quinta, 25 Abril 2024

​Fim de tarde no parque

Está tristonho o parque, despido de cores. As árvores centenárias agitam seus galhos inúteis, erguidos ao céu em mudo apelo. Foram-se as aves matreiras que espreitavam entre suas folhagens, enchendo o ar com seus alegres trinados. Onde foram construir seus ninhos esses pequenos tenores alados? Choveu durante a noite e uma poça d'água reflete no chão um céu de nuvens preguiçosas. Pequenos pés ligeiros outrora criavam ondas mansas nessa lagoa fugaz, agora só o vento vem ondular seu espelho líquido.

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Está silencioso o parque, carente de risos. Onde andam as crianças que ali brincavam, onde se esconderá o riso alegre brotando cristalino de tantas bocas miúdas? Migraram todos para algum refúgio distante, como também sumiram os adultos atentos, prontos para socorrê-las em qualquer descuido. Cães preguiçosos já não correm pelos gramados e os gatos vagabundos não se ocupam com os intermináveis duetos que só eles decifram. No ar tranquilo valsam ainda algumas folhas soltas, como tristonhos acenos.

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Está vazio o parque, calado de sons. Não mais o coaxar de rãs na lagoa envolta em solidão, não mais o coro de vozes sem dono, deslizando invisíveis na grama úmida de orvalho. O sol espreita a medo por entre nuvens indiferentes, traça arabescos indecisos na laje quebrada do chão. Quem silenciou os sons que fluíam como preces subindo ao céu, agradecendo a alegria e a exuberância da vida que ali se manifestava? Farto de bênçãos e esperanças, o parque é uma catedral a céu aberto.

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Está sombrio o parque, sem luz e sem alma. Um casal apenas ocupa um banco solitário, e trocam farpas que só eles ouvem, porque ninguém mais frequenta o parque nos fins de tarde. Os olhares, no entanto, desmentem essas palavras perdidas em um adeus dramático e inevitável. Influência, quem sabe, do vento a correr inquieto pelas aleias vazias, dos brinquedos abandonados balançando indolentes, saudosos dos alegres ocupantes que os esqueceram. No parque abandonado, aquelas bocas dizem coisas que o coração não dita, mas que não voltarão jamais aos lábios que as proferiram.

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O parque sofre a mesma dor desses corações insensatos, e sua agonia se reflete nas árvores impotentes, no vento que espalha no ar o desespero dos amores perdidos. Feito poças d'água, os olhos refletem um céu interior de nuvens espessas que ambos tentam ocultar. Mãos insensíveis se tocam a medo, selando o último adeus no derradeiro contato. Foge o sol pálido que não venceu a solidão do parque e a noite chega sem pressa. O casal se afasta, cada qual no rumo oposto, para nunca mais. Essa história teria um final diferente se um minúsculo vírus não rondasse o mundo. Fim de tarde, cai a noite no parque abandonado.

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Esse pequeno drama foi escrito há muitos anos e publicado no Caderno Literário do jornal A Gazeta, de saudosa lembrança, num tempo sem epidemia. Julguei apropriado ao momento que ora atravessamos.

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