Segunda, 29 Abril 2024

Golpismo inelegível

No mês de junho deste ano, a revista Veja teve acesso ao relatório da Polícia Federal (PF) sobre o celular de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Neste celular, os peritos escrutinaram mensagens de WhatsApp, áudios, backups de segurança e arquivos armazenados.

Portanto, o que se viu foram mensagens e documentos que criavam um roteiro para anular as eleições de outubro do ano passado. Indo além, tal anulação eleitoral poderia dar o ensejo para uma intervenção militar, levando, consequentemente, a um golpe de Estado.

Tal documento de autoria desconhecida sugeria ao então presidente Jair Bolsonaro o envio para os comandantes das Forças Armadas de um relato das inconstitucionalidades praticadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em seguida seria nomeado um interventor com poder absoluto até o restabelecimento da ordem constitucional dentro de um prazo definido.

A minuta, por sua vez, intitulada "Forças Armadas como poder moderador" criticava decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que também atuavam no TSE, expondo a atuação abusiva do Poder Judiciário para tentar justificar uma ação militar, o que incluía como ponto de partida a suspensão da diplomação de Lula.

Com a eleição de Lula, a barafunda bolsonarista foi imediata, pois, em uma das mensagens do celular de Mauro Cid, temos o subchefe do Estado-Maior do Exército, Jean Lawand, em que ele dizia ao ex-ajudante de Bolsonaro que se precisava dar uma ordem para os militares agirem.

Esta já era a segunda minuta golpista, depois da encontrada em janeiro no apartamento do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, em Brasília, e que visava um decreto de Estado de Defesa na sede do TSE. Contudo, não há relação comprovada entre as duas minutas, mesmo que tenham teores e ideias semelhantes.

No celular de Mauro Cid, tem ainda material com a tese falaciosa do advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie Ives Gandra Martins, em mais um tentativa de distorcer o sentido do artigo 142 da Constituição Federal, em que o advogado alega um precedente para a intervenção das Forças Armadas em caso de conflito entre os três Poderes. Ives Gandra alegava ativismo judicial e aparente ilegalidade por parte de decisões tomadas por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que contrariavam o Princípio da Moralidade Institucional.

O texto do advogado sugere: "Diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Ganatia da Lei e da Ordem".

Por conseguinte, no ofício enviado ao Supremo, a PF afirmou que os estudos de Ives Gandra e o apócrifo pretendiam servir de fundamento para a confecção de uma minuta de decretação de Estado de Sítio e de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), tudo contido no aplicativo WhatsApp de Mauro Cid.

Em seguida a esta descoberta de uma nova trama golpista, estavam se dando a CPMI do 8 de janeiro, em que Mauro Cid fez um depoimento nulo à comissão, em que ficou mudo. Além disso, houve a trapalhada do senador Marcos Do Val, que fez um depoimento desastroso em fevereiro deste ano à Polícia Federal.

Do Val alegava ter participado de uma reunião golpista com Jair Bolsonaro e o ex-deputado Daniel Silveira para tentar gravar escondido o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Contudo, o senador Do Val, nos meses seguintes, apresentou diversas versões da mesma história, o que levou ao descrédito e a uma zombaria natural sobre a figura exótica que se tornou o senador entre seus pares.

Diante do que foi revelado pelo celular de Mauro Cid, também estava sendo encaminhado o julgamento, enquanto isso, por parte do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), da possível inelegibilidade de Jair Bolsonaro, o que foi aprovado por maioria de votos, 5 a 2, pelo Plenário do tribunal, em que Jair Bolsonaro ficará inelegível por oito anos, contando a partir das eleições de 2022.

A inelegibilidade de Jair Bolsonaro foi aprovada baseada na reunião extemporânea realizada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho no Palácio Alvorada, em que se configurou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Tal reunião que servira como pretexto para o então presidente tentar, mais uma vez, desacreditar a legitimidade das eleições brasileiras, pois as urnas eletrônicas não garantiriam a segurança dos dados e a lisura dos resultados. Bolsonaro ainda poderá recorrer ao próprio TSE ou ao Supremo, e sua defesa já sinalizou que pretende recorrer de eventual condenação.

É fato a sucessão de fracassos das tramas bolsonaristas. O país, depois de ser castigado por uma escolha eleitoral desastrosa, coincidindo com o período trágico da pandemia da Covid-19, passou a ser afortunado pela baixa capacidade intelectual e estratégica do bolsonarismo. A coleção recente de fracassos do bolsonarismo se estendem das eleições de outubro de 2022, passando pela conspirata mambembe do 8 de janeiro de 2023, até as descobertas dessas minutas caricaturais de hostes improvisadas buscando o golpe que não aconteceu, culminando com a inelegibilidade do mito deles por oito anos, depois de um convescote que subverteu qualquer ideia diplomática fundamentada.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog
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