Simpatia de Trump por Lula provoca uma ilusão
Os interesses norte-americanos sobre o fim do Pix, que visam favorecer operadoras como Visa e Mastercard, com o pacote de fim da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que tem a função de impedir a venda de dados pessoais e informações privadas de brasileiros para empresas estrangeiras, incluindo as big techs, estavam no apoio desastrado do deputado federal Bananinha no plano aloprado de lesa-pátria, lambendo as botas do Tio Sam.
Por sua vez, existe todo um pano de fundo no pedido de investigação pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos, o USTR, criado por uma advogada que atuou em escritório ligado a lobby a favor das big techs, em que atuou como lobista, tendo como objetivo atingir as iniciativas de regulação das redes sociais e defendendo interesses de empresas de tecnologia como a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, além de outras big techs, e que iniciou a investigação comercial dos Estados Unidos contra o Brasil.
O pragmatismo norte-americano não deixa de sinalizar que a súbita guinada de Trump, ao entrar em contato com Lula, possa ser um sonho numa noite de verão, e que a tradição de hipocrisia social e política dos Estados Unidos só pegará de surpresa os basbaques de plantão, com o sorriso parvo, em transe beatífico, achando que da náusea nascerá uma flor, como na poesia, em meio ao país do fracking, do drill, baby, drill.
O trumpismo é exatamente o agente geopolítico que refreia os avanços já pífios da questão climática, tendo como salvaguarda as soluções vindas da China. A quebra da barreira de comunicação ilude e é uma prestidigitação para incautos. Enquanto as cidades norte-americanas ficam sob pressão militarizada, num ensaio autocrático, misturada à destruição do intelecto acadêmico com exemplos como a resistência de Harvard contra o abismo existencial originado na Alt-right e na sua versão alucinada do Q-Anon.
O documento para investigação comercial do Brasil foi assinado por Jennifer Thornton, conselheira-geral do USTR. Catherine H. Gibson ocupa o cargo de assistente-adjunto da Representação dos Estados Unidos para Monitoramento e Execução no USTR, e trabalhou de 2014 a 2018 no escritório de advocacia e lobby Covington & Burling.
Foi nesse escritório que ela atuou em arbitragem, regulação, políticas públicas e comércio internacional, sendo este um dos maiores escritórios de advocacia dos Estados Unidos, tendo como clientes a Meta, além da Business Software Alliance, a BSA, entidade de lobby que representa as big techs Microsoft, Oracle e OpenIA, por exemplo.
Ela assessorou a Meta, então Facebook, na compra do WhatsApp, em 2014, por US$ 22 bilhões, e do Instagram, em 2012, por US$ 1 bilhão. Aquisições feitas sem entraves, e que transformaram a Meta numa das big techs atuais. Contudo, existe o risco de anulação jurídica do monopólio da empresa.
A BSA, por sua vez, esteve envolvida nas medidas contra supostas, quando não falaciosas, práticas comerciais injustas contra os Estados Unidos. Sem falar na mistura do setor público e privado, e que coloca questões de conflitos de interesses e ameaças à segurança de informações sensíveis, o que se traduz na influência de corporações privadas em decisões regulatórias e de investigações envolvendo agentes públicos.
Em sua crítica do protecionismo de outros países, a BSA pediu providências do USTR em relação aos danos do comércio desleal, no intuito de preservação de empregos da indústria de software e manutenção da liderança tecnológica mundial pelos Estados Unidos. A BSA alega, então, que atos governamentais, além de políticas e práticas comerciais, restringindo o mercado digital para as empresas norte-americanas, são justificadas por tais governos como medidas de cibersegurança, desenvolvimento digital e privacidade de dados.
E para falar não só sobre a falácia do tarifaço em sua forma ampla, podemos ainda citar apelos de puro obscurantismo, um verdadeiro cavalo de pau jurídico, quando não um Deus Ex Machina, que é um dispositivo que há em uma lei norte-americana de 1930, chamado seção 338, que concede ao presidente norte-americano o poder de subir tarifas contra países com práticas comerciais discriminatórias contra os Estados Unidos. Tal dispositivo foi usado nas décadas de 1930 e 1940, sendo esquecido depois, e mais ainda, depois que os Estados Unidos viraram signatários de acordos comerciais sob a Organização Mundial do Comércio (OMC), que já controlavam tais tipos de abusos.
O governo Trump poderia apelar a essa Seção 338 como uma forma de alavancagem em disputas comerciais, isso sem falar no que já ocorre, que é a chantagem dos Estados Unidos contra o Brasil, para este flexibilizar e rever decisões comerciais, em que Trump poderia usar sua autoridade para subir tarifas e bloquear importações, podendo produzir uma onda de contestações comerciais dos países afetados, desafiando acordos, cláusulas e a própria Organização Mundial do Comércio (OMC).
Tal dispositivo, além de obscurantista, é grosseiro, e colocaria os Estados Unidos uma situação de enfrentamento imediato com a OMC. Já a chantagem trumpista, através do tarifaço, com a linha auxiliar da investigação comercial, envolvendo a defesa da indústria dos Estados Unidos e, sobretudo, das empresas de tecnologia norte-americanas, enfrenta as instituições democráticas brasileiras, sobretudo o Supremo Tribunal Federal (STF), que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) et caterva por tentativa de golpe, além de ter colocado limites na atuação de redes sociais norte-americanas dentro do Brasil.
Lula levantou a questão da soberania brasileira nessa disputa, foi crítico do tarifaço desde o princípio, fez a sua contestação e abriu a possibilidade do contraditório no debate, ou seja, estaria aberto a negociações para um denominador comum, algum tipo de consenso para repactuar a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos, mas que os canais de comunicação com o governo norte-americano estavam obstruídos.
Contudo, como se viu, houve uma virada na discussão, com a história do teleprompter de Trump no encontro internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) realizada nos Estados Unidos, e tudo mudou de súbito, e o contato direto entre os líderes dos respectivos governos, os estadistas, foi realizado por telefonema, abrindo uma linha direta de conversação em torno do tarifaço trumpista e as demandas brasileiras.
Todavia, a questão do STF em relação às big techs, por exemplo, passa pelo fato recente da revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que até então dizia que as empresas de tecnologia só poderiam ser responsabilizadas por manter conteúdos de usuários caso houvesse ordem judicial de sua retirada e, em sequência, o seu não cumprimento. O STF decidiu pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19, o que se traduz por uma responsabilidade parcial das empresas de tecnologia por conteúdos postados por usuários. As big techs logo entraram numa grita ao denunciar a mudança na regulação como um ataque à liberdade de expressão.
Em meio aos dias em que Trump repetia a ladainha de uma “caça às bruxas” que ocorria no Brasil, principalmente a possível condenação, até ali, de um ex-presidente que era tanto inocente como estava sendo perseguido politicamente, o presidente dos Estados Unidos disse que a sua decisão pelo tarifaço se devia aos ataques às eleições livres no Brasil e aos direitos de liberdade de expressão dos norte-americanos, denunciando centenas de ordens de censura ilegais e secretas contra plataformas de redes sociais dos Estados Unidos, tendo como responsável por tal situação o STF.
Portanto, a súbita simpatia de Trump por Lula provoca uma ilusão instantânea baseada numa inocência que não sobrevive na selva maquiavélica da real politik, que atua por leis da política real, e não por uma ética de um dever ser que foi subsumido desde a obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, e que nos Estados Unidos, ignorando o parvo consenso habermasiano, e sem entrar no mérito de um sistema capitalista pantagruélico, quando entra em anomia se torna hobbesiano e chama pragmatismo político, e indo mais fundo, a hipocrisia norte-americana.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: poesiaeconhecimento.blogspot.com