Quinta, 25 Abril 2024

​Ideologia e religião

Antes mesmo de ser confirmada a vitória do socialista Luís Arce sobre os autores do golpe de novembro de 2019, na Bolívia, começaram a circular nas redes sociais no Brasil, nesse fim de semana, as mais variadas mensagens demonizando movimentos progressistas na América Latina. Um deles, os protestos no Chile, tachados de vandalismo, "absurdos da esquerda" e coisas desse tipo. 

Uma forma de disseminação de fake news, com pesadas distorções dos fatos, que envolvem no país vizinho não apenas grupos da esquerda, mas a massa da população afetada com o aumento da desigualdade social e as dificuldades de acesso a bens e serviços públicos. Na base da emissão dessas postagens, no Brasil e no continente, políticos e grupos religiosos alinhados a uma visão política subserviente, como a do governo Jair Bolsonaro, eleito por significativa parcela de católicos e, principalmente, evangélicos, como o mito defensor da família, dos bons costumes e da pátria.

Na vida real, esse discurso soa falso, tanto do ponto de vista das escrituras sagradas, quanto da visão de uma política ética e transparente, fincada na democracia e voltada para tornar a sociedade mais justa e igualitária. E, decididamente, isso não está acontecendo no país vizinho, que é um retrato do que poderá se transformar o Brasil em futuro bem próximo, como resultado do desastre que se alarga a cada dia em todas as áreas da administração pública, deixando um pesado saldo para a população.

As fake news, é bom lembrar, não são novidade e tiveram um papel fundamental, especialmente junto a igrejas evangélicas, tocadas por lideranças que perderam qualquer tipo de senso crítico, seja por interesses financeiros e econômicos, ou por desconhecimento do cenário social e político em que vivem. Considerando que ideologia é um sistema de ideias, a religião também não deixa de ser uma ideologia.

Nesse contexto, basta meditar um pouco nos ensinamentos bíblicos para identificar profundas discordâncias entre o fazer e o ser de imensos grupos dos chamados evangélicos e católicos que se dizem seguidores de Jesus Cristo, mas, na prática, assumem comportamentos políticos contrários ao que ele pregou. O endeusamento do "mito" Jair Bolsonaro é, sem risco de errar, o mais relevante exemplo dessa anomalia, perfeitamente justificada, somente, por uma total falta de discernimento das coisas.

Como consequência desse estado de alienação, em que a percepção da realidade desaparece, dando lugar a um caminhar destituído de qualquer pensamento crítico, essa camada sustenta o que há de pior no cenário político. Isso porque leva em conta, exclusivamente, manter-se distante dos espaços progressistas ou de esquerda. Fruto de pesada manipulação a cargo de líderes de congregações religiosas, alinhados a regimes políticos e à área financeira, veem a esquerda como o próprio demônio, que precisam combater a todo custo.

Foi nesse contexto que Bolsonaro se elegeu, disseminando entre os religiosos coisas como o "kit gay", "mamadeira de piroca", entre outros absurdos, colocando as forças progressistas como desumanas e diabólicas, com citações bíblicas distorcidas por lideranças religiosas refesteladas em seus círculos de poder. Essas colocações podem ser observadas diariamente até o dia 12 de novembro, quando se encerra a propaganda política, e nos carros de som que circulam pelas ruas de Vitória e cidades brasileiras.

Esses chamados pastores abandonaram com a sua prática a base do cristianismo, que é a inclusão, em especial os colocados à margem da sociedade por um sistema político e econômico opressor. Esquecem que, desde o princípio, o cristianismo verdadeiro pode e deve ser visto como de esquerda, na medida em que condena a usura (o lucro) como objetivo maior de transações comerciais, o preconceito de qualquer espécie, a desigualdade social, a violência, e é mais voltado aos pobres, a quem direciona amor, afeto e acolhimento.

Essa prática remete ao fazer político em toda a sua dimensão e deveria ser motivo de enfrentamento a setores que concentram muito poder e cuja marca é a exclusão da maioria. Nesse sentido, os discursos políticos ecoam com pesado tom de hipocrisia, da mesma forma que pregações em templos religiosos ou nas lives em redes sociais. Pregam a Cristo, mas negam as suas ordenanças.

O cenário somente não é pior, porque, contrariando os 30% que dão sustentação a Bolsonaro, se levantam lideranças católicas e evangélicas que seguem a doutrina de Cristo e enfrentam, pela pregação da palavra, as marcas fascistas do atual governo. São padres e pastores que lembram Martin Niemöller (1892–1984) e Dietrich Bonhoeffer (1906), pastores alemães que enfrentaram o nazismo de Adolf Hitler e, mesmo condenados à morte, não desistiram de ser cristãos, na essência da doutrina.

É de Niemöller o alerta contido nesse texto, escrito na prisão nazista: "Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um social-democrata. Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista. Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu. Quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar".

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Comentários: 9

Rafael Ribeiro em Terça, 20 Outubro 2020 15:40

Não dá sequer para ler um absurdo desses! Só pelo título, o autor SEQUER conhece o Direito Canônico e a Bula Papal de São Pio XII. Um pouco de estudo e menos MILITÂNCIA EXTREMISTA - tanto do autor, quanto do veículo, fariam bem à sociedade.

Não dá sequer para ler um absurdo desses! Só pelo título, o autor SEQUER conhece o Direito Canônico e a Bula Papal de São Pio XII. Um pouco de estudo e menos MILITÂNCIA EXTREMISTA - tanto do autor, quanto do veículo, fariam bem à sociedade.
Daniel em Quarta, 21 Outubro 2020 10:14

Pelo amor de Deus. Que manchete desastrosa.

Pelo amor de Deus. Que manchete desastrosa.
Marcelo em Quarta, 21 Outubro 2020 14:19

Meu Deus, a que ponto chegamos, com um artigo ridículo desse

Meu Deus, a que ponto chegamos, com um artigo ridículo desse
El cRos em Quarta, 21 Outubro 2020 21:14

O autor a cada dia se supera no extremismo radical de esquerda, e não fala coisa com coisa, a opinião de Rafael Ribeiro traduz tudo o que esta matéria representa.

O autor a cada dia se supera no extremismo radical de esquerda, e não fala coisa com coisa, a opinião de Rafael Ribeiro traduz tudo o que esta matéria representa.
Guilherme H Pereira em Sexta, 30 Outubro 2020 14:52

Roberto Junquillo mais uma vez mostrando sua versatilidade e erudição. Um tema bem delicado, porém central para um debate muito necessário no Brasil de hoje. Não me parece inconsistente que um socialista se declare ateu, mas é logicamente impossível um verdadeiro cristão se declarar não socialista. Me parece que o autor do artigo está entre poucos que tem sensibilidade para entender e aceitar este axioma.

Roberto Junquillo mais uma vez mostrando sua versatilidade e erudição. Um tema bem delicado, porém central para um debate muito necessário no Brasil de hoje. Não me parece inconsistente que um socialista se declare ateu, mas é logicamente impossível um verdadeiro cristão se declarar não socialista. Me parece que o autor do artigo está entre poucos que tem sensibilidade para entender e aceitar este axioma.
daniel em Sábado, 07 Novembro 2020 00:09

Absurdo colocar Deus na política. A bíblia manda amar uns aos outros, não semear subliminarmente o ódio contra uma pessoa ou ideologia política.

Absurdo colocar Deus na política. A bíblia manda amar uns aos outros, não semear subliminarmente o ódio contra uma pessoa ou ideologia política.
Henrique Cesar Mendes de Souza em Quarta, 31 Agosto 2022 10:02

Devemos apoiar a esquerda, é a favor do aborto, é a favor das Drogas, é a favor da homoafetividade etc, saí cão pulguento.

Devemos apoiar a esquerda, é a favor do aborto, é a favor das Drogas, é a favor da homoafetividade etc, saí cão pulguento.
Sandro em Quarta, 14 Setembro 2022 08:51

O que complica a discussão desse tema é que o marxismo acabou se tornando o viés dominante na esquerda, e Marx dedica muitas criticas à religião, exatamente porque ele focava na realidade das coisas, não no idealismo, e história da religião ocidental é de associação com as elites dominantes. Logo, quando se fala de libertar os explorados e oprimidos, a religião se colocou, na história, do lado inimigo, do lado que que quer CONSERVAR o mundo tal como sempre foi, quer conservar portanto a exploração e a opressão pelas classes dominantes.

Mas era isso que Jesus ensinava? Ou melhor, era isso que ele demonstrava pelo exemplo? Não lembro de Jesus ter pregado a obediência às autoridades terrenas como um valor espiritual. Ele explicitamente separava o que era de Deus e o que era de César. Isso é também muito diferente de pregar revolução pela violência, ou ele teria se unido os Zelotes. O que Jesus ensinava era uma mudança de atitude insovidual, com o próximo, e se todos os cristãos agissem assim o capitalismo talvez nem tivesse nascido porque ele nasce da busca pelo lucro, o que envolve a lei da oferta e procura, o que distorce o preço das mercadorias, oois ao invés de cobrar por ela seu custo, cobra-se o máximo que for possivel desde que tenha gente que aceite pagar.
O mecanismo do lucro é um dos 7 pecados capitais, a cobiça. Se os cristãos buscassem seguir a Jesus o capitalismo teria morrido na casca.

E há em Jesus duas posturas muito claras:

- ele tem um lado, é o dos pobres, dos oprimidos, dos rejeitados pelo bando de sepulcros caiados que são os "cidadãos de bem", os cumpridores da letra morta da Lei, os bons costumes.
Esse é o mesmo lado da direita?

- ele está sempre em conflito com o conservadorismo, ou seja, com as autoridades religiosas conservadoras, que eram incapazes de enxergar que a Lei antiga precisava ser aperfeicoada, modernizada, porque se tornara... oh.. surpresa! Uma forma de opressão! É por isso que ele curava aos sábados aliás a passagem é bem explicita.
Jesus, portanto, era um progressista, para dizer o mínimo, e embora não fosse um anarquista, que prega destruição de toda hierarquia terrena, pregava uma atitude de questionamento consciente que separava muito bem a utilidade dos sistemas organizados da religião e estado, da sua função como instrumentos de opressão das massas.
Uma pessoa que não enxergue que o cirstianismo na sua origem é 100% de esquerda não entendeu nada do que aconteceu na terra no seculo I.
O único porém que o cristão pode levantar contra essa associação é contra as idéias de revolução armada, que em geral só a extrema esquerda defende e que não conseguem adesão fora dd sesu nichos, e contra a visão materialista que muitos da esquerda ainda sustentam, sem perceberem que isso fruto do ranço positivista do século XIX que contaminou o marxismo. Marx criticava muitos dos socialistas do seu tempo exatamente porque eles percebiam os paralelos inevitáveis entre cristianismo e socialismo.
É apenas óbvio que pessoas de ação descartem qualquer discurso filosófico e adotem o estratégico, para que suas ações cheguem no resultado desejado. É dessa necessidade prática que vem uma parte da abordagem materialista que ele faz da religião. A outra partr vem de olhar para o que a religião se tornou com o passar dos séculos, e isso é fato histórico, não adianta tentarem negar.

O que complica a discussão desse tema é que o marxismo acabou se tornando o viés dominante na esquerda, e Marx dedica muitas criticas à religião, exatamente porque ele focava na realidade das coisas, não no idealismo, e história da religião ocidental é de associação com as elites dominantes. Logo, quando se fala de libertar os explorados e oprimidos, a religião se colocou, na história, do lado inimigo, do lado que que quer CONSERVAR o mundo tal como sempre foi, quer conservar portanto a exploração e a opressão pelas classes dominantes. Mas era isso que Jesus ensinava? Ou melhor, era isso que ele demonstrava pelo exemplo? Não lembro de Jesus ter pregado a obediência às autoridades terrenas como um valor espiritual. Ele explicitamente separava o que era de Deus e o que era de César. Isso é também muito diferente de pregar revolução pela violência, ou ele teria se unido os Zelotes. O que Jesus ensinava era uma mudança de atitude insovidual, com o próximo, e se todos os cristãos agissem assim o capitalismo talvez nem tivesse nascido porque ele nasce da busca pelo lucro, o que envolve a lei da oferta e procura, o que distorce o preço das mercadorias, oois ao invés de cobrar por ela seu custo, cobra-se o máximo que for possivel desde que tenha gente que aceite pagar. O mecanismo do lucro é um dos 7 pecados capitais, a cobiça. Se os cristãos buscassem seguir a Jesus o capitalismo teria morrido na casca. E há em Jesus duas posturas muito claras: - ele tem um lado, é o dos pobres, dos oprimidos, dos rejeitados pelo bando de sepulcros caiados que são os "cidadãos de bem", os cumpridores da letra morta da Lei, os bons costumes. Esse é o mesmo lado da direita? - ele está sempre em conflito com o conservadorismo, ou seja, com as autoridades religiosas conservadoras, que eram incapazes de enxergar que a Lei antiga precisava ser aperfeicoada, modernizada, porque se tornara... oh.. surpresa! Uma forma de opressão! É por isso que ele curava aos sábados aliás a passagem é bem explicita. Jesus, portanto, era um progressista, para dizer o mínimo, e embora não fosse um anarquista, que prega destruição de toda hierarquia terrena, pregava uma atitude de questionamento consciente que separava muito bem a utilidade dos sistemas organizados da religião e estado, da sua função como instrumentos de opressão das massas. Uma pessoa que não enxergue que o cirstianismo na sua origem é 100% de esquerda não entendeu nada do que aconteceu na terra no seculo I. O único porém que o cristão pode levantar contra essa associação é contra as idéias de revolução armada, que em geral só a extrema esquerda defende e que não conseguem adesão fora dd sesu nichos, e contra a visão materialista que muitos da esquerda ainda sustentam, sem perceberem que isso fruto do ranço positivista do século XIX que contaminou o marxismo. Marx criticava muitos dos socialistas do seu tempo exatamente porque eles percebiam os paralelos inevitáveis entre cristianismo e socialismo. É apenas óbvio que pessoas de ação descartem qualquer discurso filosófico e adotem o estratégico, para que suas ações cheguem no resultado desejado. É dessa necessidade prática que vem uma parte da abordagem materialista que ele faz da religião. A outra partr vem de olhar para o que a religião se tornou com o passar dos séculos, e isso é fato histórico, não adianta tentarem negar.
tati em Domingo, 11 Dezembro 2022 14:18

Quanta ignorância! matérias sem fundamentos como essa nem deveriam publicar.

Quanta ignorância! matérias sem fundamentos como essa nem deveriam publicar.
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