Terça, 30 Abril 2024

Instinto selvagem

Não passava pela cabeça de Theodorico Ferraço, em meio aos foguetórios da virada do ano, que 2013 lhe reservaria tantos infortúnios. Afinal, o presidente da Assembleia Legislativa havia fechado o ano selando a paz com o Executivo. Chegou até a trocar juras de amor com o governador Renato Casagrande, que assentiu a recondução do demista à presidência da Casa. 

 
O décimo sétimo dia do ano, no entanto, pregou uma peça e tanto no deputado, que viu ruir todo o trabalho feito ao longo de quase um ano à frente da Assembleia. 
 
As notícias de que o deputado Paulo Roberto (PMDB), empossado com honras pelo próprio Ferraço, está prestes a devolver o mandato para o vereador Omir Castiglioni e a inclusão do também deputado José Carlos Elias na Derrama, após tanto esforço de Ferraço para salvá-lo da degola, desnorteou o cachoeirense. Sem falar na anulação dos votos do seu candidato à prefeitura de Guarapari, Edson Magalhães, que além de perder as eleições está hoje vendo o sol nascer quadrado, também em função da Derrama.
 
Mas o golpe mais agudo, sem dúvida, veio com a notícia que seu nome estava subindo para o Tribunal de Justiça para também ser investigado pela Operação Derrama. 
 
A devassa feita nas contas das prefeituras capixabas, que já levou para cadeia 26 pessoas, entre elas sete ex-prefeitos, batia finalmente nos interesses da família Ferraço. Sua mulher, Norma Ayub, que governou Itapemirim de 2005 a 2012, por dedução lógica (uma vez que município celebrou contratos com a principal investigada, a CMS Consultoria), deveria estar entre os suspeitos. Mas, como alertamos aqui ainda na terça-feira (15), dia em que foi deflagrada a operação, a ex-prefeita do DEM simplesmente foi “esquecida”. 
 
Somente nessa quinta-feira (17), uma das partes do quebra-cabeça “apareceu”, com a inclusão de Ferraço entre os envolvidos. Gozando de foro privilegiado, ele passará a ser investigados pelo Tribunal de Justiça. Cerca de 24 horas depois de a Justiça incluir o presidente da Assembleia nas investigações, Ferraço receberia outra estocada, essa ainda mais dolorida: a decretação da prisão de sua mulher, Norma Ayub.
 
O conjunto da obra seria devastador para qualquer ser humano normal, ainda mais no caso de um espécime político. Mas Ferraço evocou os seus instintos mais selvagens para enfrentar mais esta provação. 
 
Em vez de mergulhar, como costumam fazer os políticos em situações adversas, ele preferiu enfrentar o problema. A estratégia do atual presidente da Assembleia foi construir rapidamente uma “verdade”, mesmo que fosse a dele, suficiente forte para confrontar as informações que o envolvem no esquema. 
 
Recorrendo à esperteza da raposa, alcunha que lhe cai muito bem, Ferraço se apressou para inverter as acusações. Primeiramente, elogiou o empresário dono da CMS, que permanece preso, atribuindo-lhe qualidades técnicas inquestionáveis na missão de recuperar tributos devidos pelas grandes empresas aos cofres da municipalidade. 
 
Em tempos de vacas magras, com perdas de receitas de toda ordem, Ferraço tentou mostrar que o trabalho da CMS é honesto e eficiente e pode até tirar as finanças dos municípios do buraco. Argumento, um tanto plausível. É claro, que na dialética defendida por Ferraço, importam os fins e não os meios.
 
Na versão de Ferraço, são as grandes empresas que estão sangrando os cofres públicos por sonegação fiscal e a CMS estava justamente combatendo essa distorção. Ele até falou que as investigações da Derrama seriam uma grande oportunidade para a sociedade capixaba conhecer a lista de empresas que lesam o poder público. 
 
Ao tocar no assunto das empresas, que faz sentido - as consultorias só cobraram porque as empresas deviam -, Ferraço foi astuto como uma serpente. Na pior das hipóteses, ele botou uma pulga atrás da orelha daqueles que já pediam a sua cabeça em praça pública. 
 
Não se sabe se a estratégia de Ferraço irá vingar. Vai depender dos desdobramentos da Derrama, que podem trazer novas revelações e implicar ainda mais o demista no esquema. 
 
Dependerá também da reação de Casagrande aos acontecimentos, que poderá simplesmente lavar as mãos e deixar a Justiça fazer o seu trabalho ou se arriscar para salvar Ferraço do mar de lama, ratificando seu apoio ao candidato investigado.
 
Em qualquer das hipóteses, Ferraço perde estatura política com o imbróglio. Se antes ele detinha uma posição de destaque na mesa que vai decidir o jogo político nas eleições de 2014 – com direito a ser “mão” do ex-governador Paulo Hartung e do seu filho, senador Ricardo Ferraço – agora, no melhor dos cenários, ele terá que se limitar a assistir ao jogo à distância e calado, para não incomodar os jogadores. 

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Terça, 30 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/