Sexta, 29 Março 2024

O homem e o machismo

Quando se trata das questões do comportamento, a palavra desconstrução tem significância literal. Só se desconstrói aquilo que já foi construído errado, com defeito, não é o mesmo que destruir. Desconstruir é alterar alguma coisa da estrutura, revisar para corrigir o rumo. Fazer acertos.

Para a desconstrução do machismo, é preciso mirar em questões culturais, construídas durante milênios, introjetadas nas mentes e materializadas nos comportamentos, de tal forma que, ou se torna quase invisível para o praticante ou ele tem convicção de sua posição.

Naquele em que o comportamento se torna invisível, ou imperceptível para si mesmo, a desconstrução pode ser mais lenta, mas ele oferece menos resistência, está mais ligado ao seu próprio esclarecimento e seguido da necessidade de um patrulhamento pessoal que o indivíduo adquire a partir da consciência do equívoco. Demora um pouco, devido ao hábito, mas termina por acontecer.

Já para os convictos, o trabalho é bem maior, ele busca razões em toda a história e se ancora em sua própria história. A história comum de construção do macho e de seus regulamentos em nossa sociedade – ser forte, corajoso, protetor, provedor, dominador, o chefe, e coisas do gênero. Não é incomum ter por base a religião, com textos bíblicos arcaicos e descontextualizados.

Para a Filosofia, essa desconstrução se assemelha a uma conversão, uma mudança nas estruturas de sustentação da personalidade do indivíduo. Uma saída da caverna com todas as dores do percurso e risco de incompreensão, mas sem retorno, uma visão que, uma vez adquirida pela alma, se torna um movimento de vida em nova direção.

Das colunas dessa estrutura, formada há tanto tempo e herdada pelo indivíduo, talvez a religião, no nosso caso o cristianismo, seja a de maior entrave e a mais difícil de ser removida.

A popularização e sacralização do mito adâmico, onde o Deus que é masculino, cria o homem a partir do barro, mas a mulher a partir da costela daquele, e o pior, para que ele não fique só, traz ainda a mulher como propulsora do erro do homem. Textos mais atuais ainda colocam como religiosa a condição de submissão da mulher ao homem.

Desconstruir princípios culturais religiosos já é uma tarefa bem mais complicada. Afinal, é compreensível a necessidade da religião para a transcendência, frente aos limites humanos. Contudo, se faz fundamental que o homem esclarecido se dê a liberdade de promover questionamentos dialéticos, mesmo ao seu Deus, para busca da verdade racional como demonstração da possibilidade de aceitação da verdade revelada.

Uma boa contribuição para a educação filosófica contribuir para a correção desses erros é uma análise do mito adâmico, na confrontação dialética de sua criação e estrutura, frente a outros mitos mais antigos que possam ter influenciado sua criação. Como no caso do mito sumério de Adapa, advindo do período entre os anos de 1800 a 1500 a.C., enquanto o adâmico, data entre 600 e 500 a.C. com os mesmos elementos do adâmico – desobediência, erro e castigo.

Também pode contribuir muito, além da busca pela origem do machismo uma análise de suas consequências nas mulheres e também nos próprios homens.

Se 27% das mulheres sofreram, sofrem ou sofrerão violência, também significa que se o homem tem 4 filhas tem uma forte probabilidade de pelo menos uma vir a sofrer, pois a estatística não atinge uma mulher qualquer, mas qualquer mulher, inclusive as de sua afeição.

Por outro lado, só no Espírito Santo são presos, por ano, em média, 1,9 mil homens e, de encarcerados, já são mais de 2 mil pela Lei Maria da Penha.

É preciso convencer aos homens que o machismo também traz o seu próprio sofrimento e, assim, mesmo que seja por motivos egoístas, ele tem alguma chance de revisão comportamental.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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