Segunda, 06 Mai 2024

Justiça tardia e falha

 

O assassinato do sem terra Saturnino Ribeiro dos Santos, 62 anos, em outubro de 1997, em Mucurici, caso que marcou protesto nesta semana realizado por camponeses do Estado, remete à crescente violência no campo registrada no país, que faz vítimas em escala assustadora. Problema relacionado diretamente à concentração de terras, coloca de um lado poderosos latifúndios e do outro as comunidades rurais, em uma luta desigual que termina sempre com a mesma marca: a impunidade. 
 
O Espírito Santo não está fora das estatísticas. Embora não tenha registrado crimes desta natureza em tempos mais recentes, como ocorre em muitas regiões do país – 2012 houve uma explosão do número de mortes -, casos antigos tramitam na Justiça a passos de tartaruga. O que vitimou Saturnino é um deles. O sem terra levou um tiro na cabeça durante uma ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Fazenda Novo Horizonte, de propriedade da poderosa família Varejão, que tem muitas terras no extremo norte do Estado. 
 
Imagine que depois de 15 anos, o júri popular realizado pela Justiça de Mucurici, no ano passado, condenou apenas dois dos seis acusados. Mesmo assim, um deles foi beneficiado pela prescrição da pena, coincidentemente, um membro da família Varejão, Edilson Siqueira de Varejão Júnior – o outro é o proprietário, Edmilson Siqueira Varejão Sobrinho. Na ocasião, os dois portavam armas. 
 
Os movimentos sociais do campo têm certeza de que a ação dos quatro pistoleiros, funcionários da fazenda, foi a mando do dono. Há testemunhas vivas do assassinato – além dos demais sem terras, eram 500 ao todo, duas outras pessoas foram baleadas, Manoel Ramalho Costa e Silvério Bruno da Silva - e documentos que, segundo os militantes ligados à Via Campesina, comprovam a estratégia que tinha como objetivo “limpar a área” . 
 
E, de fato, é no mínimo estranho que existam somente provas da participação de Ideraldo Luiz de Souza, e com um detalhe importante, apenas seis anos de prisão, em regime semi-aberto. Os outros acusados são José Alves Barbosa, Gilmar Mendes Prates e João Neto Corrêa.

 
O júri popular do crime parou a pequena cidade de Mucurici. Como não cabia todo mundo, precisou ser transferido para a Câmara de Vereadores de Ponto Belo, município vizinho. No Conselho de Sentença estavam sete membros da comunidade, escolhidos de uma lista de 21. 
 
Antônio Carlos Facheti presidiu o júri, e seu filho Antônio Carlos Facheti Filho prolatou a decisão de pronúncia. Os dois não poderiam atuar juntos no processo e foram alertados sobre isso, mas contestaram e concluíram o  julgamento, abrindo espaço para apelação. Foi o que fizeram o Ministério Público do Estado e o condenado Ideraldo, que acabou pagando o pato sozinho. Mais do que a causa de impedimento, que foi acatada pela Justiça, apelaram também sobre a sentença, por considerá-la contraditória aos autos. 
 
A expectativa, agora, é pela data do novo júri. Mas a falta de interesse em agir nesses casos resulta em protelações a perder de vista. O que está em jogo aqui não é apenas a concentração de terras, mas de poder. Sai vitorioso aquele que tiver mais influência, dinheiro e prestígio. A dedução, nesse e em todos os outros casos semelhantes, é óbvia. 
 
A vida perdida de Saturnino, não vale nada?



 
Manaira Medeiros é especialista em Educação e Gestão Ambiental

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Terça, 07 Mai 2024

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