Diante deste cenário, uma das regras constitucionais, como a admissão no serviço público através de concurso também passou a ser flexibilizada. É possível que muito em breve, todos os futuros profissionais de áreas consideradas essenciais – saúde e educação, por exemplo – não sejam mais efetivos, aprovados em concursos de provas ou de provas e títulos. Mas que sejam substituídos por servidores temporários, nomeados através de processos simplificados de seleção.
Numa perspectiva história, o governo do Espírito Santo começou a ampliar o número de servidores em designação temporária, os famosos DTs, a partir da última década. Desde então, a prática começou a tomar conta também de algumas prefeituras. Apesar do expediente no Executivo estadual nunca ter sido combatido de frente pelos órgãos de controle, os prefeitos capixabas não tiveram a mesma sorte. Alguns foram processados e até condenados em ações movidas pelo Ministério Público. Mas esse quadro está para mudar.
Recentemente, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) resolveu abrir uma brecha para a expansão dos servidores temporários, tanto na administração estadual, quanto nos municípios. No julgamento de uma auditoria especial (processo TC 7254/2008) na Prefeitura de Venda Nova do Imigrante (região serrana), a 2ª Câmara do tribunal deixou de aplicar multa a dois gestores (o ex-prefeito Braz Delpupo e o atual Dalton Perim, do PMDB) pela prática de contratações temporárias irregulares de vários tipos de profissionais – professores, enfermeiros, auxiliares de serviços gerais e até serventes.
O relator do caso foi o conselheiro Domingos Augusto Taufner, divergindo do entendimento da área técnica do TCE e do Ministério Público de Contas (MPC), que defendiam a aplicação de sanções aos gestores. Em seu voto, o conselheiro-relator fez uma crítica ao que chamou de verdadeira “demonização” sobre as contratações temporárias nos últimos anos. Taufner negou que o expediente fosse uma burla à regra do concurso público e ainda citou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para justificar a contratação de DTs ao invés de profissionais concursados.
“Quando alguém é contratado por concurso público representa a assunção de uma despesa de caráter permanente para toda a vida funcional e, havendo regime próprio de previdência, também para a fase da inatividade […] O excesso de admissão por concurso, os aumentos da remuneração, as decisões judiciais (embora legais) que oneram a folha de pagamento sem levar em conta a realidade fiscal, dentre outras situações, tem agravado a crise fiscal por que passam os Municípios”, argumentou Taufner, cuja toda sua trajetória é ligada ao serviço público de carreira.
Último presidente do Tribunal de Contas, Taufner foi aprovado em dois concursos – de auditor fiscal da Prefeitura de Vitória e de procurados de Contas, até ser nomeado como conselheiro na vaga destinada ao MP. No entanto, ele chegou à conclusão de que o “aumento do número de servidores efetivos por parte do poder público tem que ser feito com muita prudência”. Esse mesmo entendimento foi seguido pelo conselheiro Sérgio Manoel Nader Borges.
O único voto divergente partiu do conselheiro substituto, João Luiz Cotta Lovatti, que é auditor de carreira do tribunal. Para ele, a exigência de concurso público, prevista na Constituição Federal é “norma cogente e sua aplicação independe da vontade do gestor”, lançando por terra o proselitismo de Taufner ao relacionar a obrigatoriedade do concurso público com a crise financeiros dos municípios.
Para Cotta Lovatti, as discussões sobre esse modelo e as disfunções sobre a forma de distribuição de atribuições devem ser discutidas no foro adequado, qual seja, nas casas legislativas. Ele defendeu a auditoria do TCE flagrou infrações de natureza grave, que exigiam a “rigorosa atuação da Corte a fim de inibir a repetição de fatos da mesma”. No entanto, acabou sendo vencido.
Essa é mais uma decisão que tem o potencial de abrir brechas para gestores descumprirem o que rege a legislação. Podemos citar o recente caso dos Termos de Ajustamento de Gestão (TAG), instrumento que deve permitir a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sugerido pelo próprio TCE. Tudo sob o pretexto do aperto das contas públicas. A crise não pode servir de justificativa para que a letra fria da lei acabe se tornando uma letra-morta.