Há um conluio de interesses privados
O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 2159, no dia 21 de maio, o que desfere um golpe direto nas regras de licenciamento ambiental no Brasil. O projeto ficou ainda mais tendencioso com as emendas à proposta original feitas no Senado, e o PL segue para a Câmara dos Deputados que, caso aprove a nova redação e o governo apresente ou não vetos, parciais ou integrais, poderá haver uma ação do Supremo Tribunal Federal (STF) para salvaguardar a Constituição Federal.
Tal avanço da boiada, já propalada pelo ex-ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles, agora é iminente, e vem junto ao pacote que já inclui a Lei do Marco Temporal, desmantelando direitos originários dos indígenas à terra.
Esta orquestração é feita pela mesma turma da balbúrdia que agora também quer anistia para os golpistas de 8 de janeiro de 2023 e a conspiração criminosa de Jair Bolsonaro et caterva que, no limite, foi voto vencido entre as três forças armadas, num placar de dois a um. A mentalidade do golpismo, portanto, quando não se dá diretamente, vem como rolo compressor sobre direitos adquiridos pela Constituição Cidadã de 1988.
Nesse caso de abrir a porteira para interesses privados, manietando o licenciamento ambiental, tal se dá na antevéspera da COP 30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada no Brasil, mais precisamente em Belém, no Pará, em novembro deste ano. Tal paralelismo nefasto coloca o Brasil em uma contradição diante da comunidade internacional, pois aprova um projeto negacionista do ponto de vista ambiental, ao mesmo tempo em que será sede de uma conferência mundial do clima.
Dentre os retrocessos do PL da Devastação, está a chamada Licença Especial, considerada estratégica pelo Conselho de Governo, e que dispensa de licenciamento ambiental atividades econômicas como a agropecuária, e para empreendimentos de médio porte, com potencial poluidor. Tem também a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que funciona como autolicenciamento direto, sem ressalvas. Há uma chicana no projeto que restringe a definição do que seriam as condicionantes ambientais.
Por fim, tal PL passa a desconsiderar, por exemplo, impactos ambientais sobre territórios quilombolas e indígenas que ainda não foram regularizados. Se abre um precedente para o avanço tanto do agronegócio como da mineração, acelerando projetos como o da exploração de petróleo na foz do Amazonas, a Ferrogrão, além de liberar a exploração de potássio no rio Madeira, no estado do Amazonas.
Com a Lei do Marco Temporal, e agora com o avanço do PL da Devastação, se instala a necropolítica de negacionismo ambiental, na atuação de parte de um Congresso Nacional que vai de encontro às garantias previstas na Constituição Federal, atingindo direitos fundamentais e consensos científicos.
Há um conluio de interesses privados que coloca a máquina pública, via política institucional, a serviço de objetivos capitalistas onívoros, tão sutis como o correntão, diante de um Poder Executivo que vendeu barato diante do fim do presidencialismo de coalizão, neste parlamentarismo branco e fisiológico do Centrão.
Este estamento do Centrão atua como um vírus na administração pública desde prístinas eras, em várias versões, com antepassados nas sesmarias do período colonial, originários daqueles degredados de moral duvidosa, fugidos de Portugal, cuja genética passou para frente neste estamento atávico do clientelismo e do conchavo. Ou seja, o governo ficou ausente, estabelecendo um diálogo fraco com o Congresso Nacional, e deixou isolados ministérios e autarquias que poderiam salvaguardar os direitos fundamentais que foram atingidos.
Por outro lado, a bancada do agronegócio, uma das mais poderosas, atualmente, no Congresso Nacional, batizou o projeto de “destrava Brasil”, pois reduzirá a burocracia na implementação de atividades econômicas, atraindo investimentos, e recebendo apoio do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), que chegou a fazer uma reunião com ruralistas defendendo o projeto.
Por sua vez, parte da bancada governista no Senado, liderada pelo PT, além do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva (Rede), se manifestaram contra o projeto. Existem dúvidas se o governo Lula conseguirá evitar a aprovação da PL, uma vez que tem apoio da bancada ruralista e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP).
O projeto, na sua definição e defesa, tem objetivos como a desburocratização, pois para apoiadores, simplifica e agiliza o processo de licenciamento ambiental, o que pode destravar cerca de cinco mil obras de infraestrutura que se encontram, atualmente, paralisadas por entraves burocráticos.
Já a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), é um dos mecanismos criados para permitir o licenciamento ambiental automático, bastando uma autodeclaração do empreendedor, sem a necessidade de estudos prévios de impacto por órgãos ambientais. Temos também a chamada Dispensa de licenciamento, isentando desse processo atividades de agricultura tradicional, pecuária de pequeno porte e obras para ampliação de estradas e para a construção de viadutos e pontes.
Outra questão é a redução do papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em que, por exemplo, áreas da Mata Atlântica terão apenas a necessidade de autorização para desmatamento pelos estados ou municípios, o que retira a obrigatoriedade de autorização do Ibama.
O Licenciamento Ambiental Especial acelera a liberação de projetos estratégicos para o governo federal, independentemente de impacto ambiental. Tais medidas representam um retrocesso a realidades como a de Cubatão, nos anos 1980, que tinha altos índices de poluição e contaminação. Seus defensores, por outro lado, destacam o fim das intervenções do Ibama e das secretarias estaduais, que paralisam obras.
Críticos da PL apontam impactos em projetos localizados em áreas sensíveis, como é o caso da pavimentação da BR-319, que liga Rondônia e Amazonas, além da facilitação para a perfuração de poços exploratórios de petróleo, não tendo ainda influência em um projeto encampado pela Petrobras, que é o do Bloco 59 na Foz da Bacia Sedimentar do Rio Amazonas, na Costa do Amapá, mas já podendo ser aplicado aos 47 blocos exploratórios que poderão ir a leilão em julho deste ano.
Nesse cenário de aprovação do “PL da Devastação”, ficou evidente a fraqueza da bancada governista diante da tramitação nas comissões do Meio Ambiente (CMA) e Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. O projeto foi aprovado nas comissões sem dificuldades, e seguiu para a sua aprovação em plenário. O governo está fraco, num momento político em que estoura o escândalo das fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em que existe a possibilidade de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso.
Contudo, a votação no Senado foi rápida, diante de uma proposta que tramitava no Congresso há mais de vinte anos. Marina Silva ainda quer abrir diálogo quando o projeto voltar à Câmara dos Deputados, para discutir um novo relatório para o projeto, pois considera a redação que saiu do Senado uma tragédia ambiental, lembrando episódios como os de Mariana e Brumadinho.
A ministra também lembrou que o projeto aprovado tira do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) a competência de deliberar sobre projetos de licenciamento ambiental, com a transferência da decisão para estados e municípios, e que pode criar uma espécie de guerra fiscal entre eles, nivelando tudo por baixo, no leilão de quem irá atrair mais investimentos para si, diminuindo os regramentos ambientais. Por fim, organizações como o Observatório do Clima também se manifestaram contra o PL, afirmando haver riscos ambientais e à saúde pública, além de se omitir nas questões climáticas.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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