Quarta, 01 Mai 2024

Meio ambiente - parte I

O território Yanomami tem uma área que equivale ao estado de Santa Catarina, no Sul do País, abrigando mais de 28 mil indígenas e 371 comunidades, localizadas entre o noroeste de Roraima e o norte do Amazonas. O território é chamado de cinturão de rochas verdes, segundo expressão da geologia, e por ser uma fonte potencial de minérios valiosos para a indústria, se tornou objeto de cobiça para o garimpo.

O que se diz é que as terras Yanomami podem abrigar metais como o ouro, a platina, o cobre, o níquel e outros que servem à indústria eletroeletrônica e da transição energética. Na prática, contudo, ainda faltam estudos conclusivos sobre este potencial, o que fica no terreno do provável, de que há diversos minerais preciosos na região, o que basta para colocar esta na mira do garimpo e de invasores.

Embora a pesquisa mineral ainda precise avançar, a valorização do ouro fez com que surgisse uma aposta no escuro que valia a pena, pois quando se achava ouro, todo investimento compensava as outras operações minerais que, porventura, tivessem falhado. O garimpeiro, nas terras Yanomami, encontrou no ouro um retorno financeiro imediato, o que só aumentou a sanha pela exploração mineral na região.

Outro mineral que chama a atenção na região é a cassiterita, de onde se extrai o estanho, usado na fabricação de folhas de flandres, que servem na produção industrial de latas e acabamentos de carros. Contudo, a cassiterita possui valor agregado inferior ao ouro, pois a concorrência é ampla, ou seja, existem locais legalizados e de mais fácil acesso que vendem este mineral do que um esquema complexo de garimpo no território Yanomami.

Na Agência Nacional de Mineração (ANM) existem 503 requerimentos de mineração na terra Yanomami. Embora a mineração nessas áreas protegidas seja proibida por lei, esses processos foram abertos com a expectativa de mudanças na legislação e variam entre os de lavra para garimpo e os de pesquisa. Os requerimentos podem envolver tanto o ouro, como outros minerais como a citada cassiterita, além da columbita, topázio e tantalita.

Outra técnica do garimpo é fazer lavras regulares próximas a regiões de exploração ilegal, pois favorece a atividade de esquentar o ouro extraído irregularmente nestas lavras legais. Este ouro ilegal sai com seu registro como extraído de local permitido e vai para a venda. E aqui, com o avanço do garimpo no território Yanomami, as consequências têm sido nefastas. Recentemente, foram divulgadas imagens chocantes de uma etnia fisicamente frágil, com mortes por desnutrição, doenças e também em conflito com os garimpeiros.

As denúncias e, com elas, as diversas imagens, desencadearam uma reação enorme por parte de políticos e de organizações da sociedade civil, chegando à denúncia de crime étnico, portanto, de genocídio. O que acontece em Roraima, no território Yanomami, não tem precedentes na Justiça do Brasil, a questão é complexa e a tipificação intensamente debatida.

A gestão do então presidente Jair Bolsonaro (PL) é investigada pelo Ministério Público Federal (MPF). Depois do caso do massacre de Haximu, de repercussão internacional, também na região, já existe este marco no julgamento de genocídios no Brasil, e no mundo, cabe ao TPI (Tribunal Penal Internacional) o julgamento para este tipo de crime.

O Estatuto de Roma estabeleceu, em 1998, a Corte Penal Internacional (CPI), também conhecida como Tribunal Penal Internacional (TPI), a primeira criada em caráter permanente. O objetivo é julgar indivíduos, ao passo que o julgamento dos estados fica sob jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ), ou Corte de Haia, pois é sediada na cidade holandesa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem uma jurisprudência consonante à visão do Estatuto de Roma, que entende que "comete genocídio quem, com intenção de destruir total ou parcialmente um grupo, causa morte, grave lesão à integridade física ou mental; ou submeter o grupo a condições capazes de ocasionar a destruição física total ou parcial".

Com uma jurisprudência consonante a estes princípios do Estatuto de Roma, o STF tenta estabelecer um parâmetro para condenar o ex-presidente pelo descaso com os indígenas na pandemia da Covid-19. Para isso, determinou a abertura de uma investigação de autoridades de seu governo em relação às acusações de genocídio de indígenas Yanomami. O pedido foi enviado pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso e as investigações são conduzidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), Polícia Federal (PF), Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério Público Militar.

Esse pedido de Barroso serviu para ampliar as apurações iniciadas pela Polícia Federal. Portanto, o trabalho da Procuradoria-Geral da República (PGR) demandava eficiência, devido à gravidade das acusações, o que não ocorreu, pois já em fevereiro deste ano, a PGR foi questionada pelo ministro Barroso pela morosidade dos trabalhos e a falta de resultados, por exemplo, nada sobre o drama dos indígenas, que já tinha sido ricamente detalhado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Uma das desculpas esfarrapadas do procurador-geral Augusto Aras foi a de que a natureza "nômade" do povo Yanomami dificulta sua proteção pelo Estado brasileiro. E as autoridades bolsonaristas da gestão do ex-presidente também, até então, não tinham sido interrogadas ou pressionadas. Faltou pulso firme da Procuradoria para transformar a investigação sobre o genocídio Yanomami numa agenda nacional.

Embora o problema do garimpo ilegal no território não seja uma novidade, tal exploração aumentou em escala e intensidade nos últimos cinco anos. Dados do MapBiomas, por exemplo, demonstram uma curva ascendente na atuação do garimpo na região a partir de 2016. A plataforma calcula exatamente que, de 2016 a 2020, o garimpo no território Yanomami cresceu 3.350%, uma trajetória de destruição que se multiplicou rapidamente.

Além da questão do garimpo, o Ministério Público Federal (MPF) apurou desvio de medicamentos, incluindo vermífugos. E o mais grave foram denúncias sobre a interrupção no fornecimento de alimentos, segundo afirmação de Alisson Marugal, procurador da República em Roraima, em que o Ministério da Saúde teria cortado fornecimento de alimentação aos indígenas nos postos de saúde do Estado em 2020, sem qualquer explicação.

A consequência foi um cenário devastador de mortes por desnutrição e malária, fazendo com que o Ministério da Saúde decretasse emergência sanitária no território Yanomami em 21 de janeiro deste ano, com o envio de profissionais de saúde e a criação de hospitais de campanha.

Nos últimos anos, diversas instituições nacionais e internacionais já vinham dando alertas sobre os problemas na região, sendo que o garimpo ilegal foi denunciado ao menos 21 vezes à Justiça e aos órgãos do governo durante a gestão de Bolsonaro.

Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu, no dia 1 ° de julho de 2022, uma decisão cobrando respostas do Brasil para a proteção dos povos indígenas Yanomami, Ye'kwana e Munduruku. A comissão concluiu que a situação destes três povos era de "extrema gravidade e urgência".

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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