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Mentira tarifária

Desculpa esfarrapada dos Estados Unidos

Seguindo as alegações do relatório norte-americano, repleto de viés, o Pix entrou na mira, como um tipo de prática desleal, prejudicando empresas dos Estados Unidos que atuam no setor. Tal investigação serviria para defender os interesses de empresas como WhatsApp Pay, Apple Pay e Google Pay. Trata-se de uma competição tecnológica em que os Estados Unidos tentam, como sempre, concentrar as inovações, colocando todas sob seu controle.

No caso do Brasil, o sistema de pagamento Pix cobre a realidade de um país onde há uma parcela grande da população que é desbancarizada. Por sua vez, os norte-americanos também possuem empresas públicas que cobrem falhas de mercado, tal como o Serviço Postal dos Estados Unidos, que atua nos Correios do país. Mesmo assim, isso não autoriza a empresa privada de transporte e logística, a UPS, que também atua nos Estados Unidos, de processar o governo norte-americano, por exemplo.

Outra acusação é a de que o Brasil firma acordos comerciais preferenciais, com escopo parcial, com países como Índia e México, que são parceiros competitivos no comércio global, reduzindo tarifas, ao passo que aplica estas mesmas, mais altas, às importações norte-americanas, incluindo centenas de produtos de vários setores, como máquinas, minerais, produtos químicos, agrícolas, além de veículos automotores e peças.

O Brasil também é acusado de leniência no combate à corrupção, o que prejudicaria empresas norte-americanas, que teriam que atuar num ambiente de pouca transparência. A falta de medidas anticorrupção levantariam dúvidas a respeito de normas contra o suborno e a corrupção, em que é citado um protocolo de entendimento para comércio e cooperação econômica assinado pelo Brasil e os Estados Unidos em 2021, que estabelece, entre os pontos, que os dois países deveriam buscar promover medidas anticorrupção.

Por sua vez, o Brasil registrou, em 2024, sua pior nota e colocação na série histórica do Índice de Percepção da Corrupção, feita pela organização Transparência Internacional, que é um dos principais indicadores de corrupção do mundo. Aqui se alega que o Brasil estaria falhando em reverter a trajetória de desmonte de combate à corrupção, com o estado capturado pelos malfeitos, aumentando a presença do crime organizado nas instituições estatais.

No quesito propriedade intelectual, o Brasil também é acusado de estar ligado a práticas que não protegem esses direitos, pois não há uma aplicação adequada de regras, com o país falhando no combate às vendas de produtos falsificados e contra a pirataria em áreas como as de streamings e de jogos eletrônicos, além de uma queixa geral em relação à morosidade na análise e aprovação de pedidos de patentes no país.

Contudo, a pirataria e o comércio ilegal são problemas globais, em que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) identifica como outras fontes mundiais de produtos ilícitos países como a China, Turquia, Líbano, Síria e Bangladesh. Portanto, trata-se de uma desculpa esfarrapada dos Estados Unidos para justificar a investigação e aumento de tarifas.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou que o problema da demora na análise dos pedidos de patentes já tem sido objeto de esforço para a adequação ao padrão internacional, em que o responsável pela concessão de patentes é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão bastante criticado e alvo de reclamações nos últimos anos, incluindo ações no Judiciário na recomposição de prazos. O ministro afirma que o INPI está reduzindo os prazos, gradualmente, até que se atinja os padrões internacionais. Entretanto, o problema não tem nenhuma relação com os Estados Unidos, a acusação de direcionamento, portanto, não tem lógica.

O Brasil também é acusado de abandonar a reciprocidade na questão do etanol, ao impor tarifas sobre o produto norte-americano, em que se alega que as exportações de etanol dos Estados Unidos caíram devido a essas tarifas, sendo muito mais elevadas que as pagas pelos produtores brasileiros nos Estados Unidos. A razão seria a proteção de usinas no Nordeste do Brasil que, além desta produção ser menos eficiente que a norte-americana, ainda tem que enfrentar a concorrência deste etanol dos Estados Unidos na região.

O Brasil propôs aumento da cota de importação de açúcar para a redução de tarifas sobre o etanol norte-americano, como meio de compensação dos produtores brasileiros que fazem etanol a partir da cana-de-açúcar, e tanto não obteve resposta do governo dos Estados Unidos como continua exigindo redução das tarifas brasileiras. Contudo, o preço do combustível também é influenciado pelo fato do etanol norte-americano ser feito à base de milho, que é uma produção subsidiada, o que colocaria as tarifas brasileiras sobre o produto norte-americano como um mecanismo de defesa comercial.

A acusação de que o Brasil não consegue aplicar as suas próprias leis contra o desmatamento, em que ocorre a conversão de terras desmatadas ilegalmente para a produção agrícola, estaria prejudicando produtores agrícolas e de madeira norte-americanos, pois seria uma vantagem competitiva injusta, reduzindo custos e expandindo a disponibilidade de insumos agrícolas, incluindo ainda o fato do Brasil concorrer com os Estados Unidos na venda global de carne bovina, milho e soja.

O Relatório Anual do Desmatamento de 2024, do MapBiomas, aponta uma redução de 32,4% na área desmatada no Brasil em 2024 em comparação com 2023. Entretanto, a área desmatada de 2019 até 2024 corresponde a uma área comparável ao tamanho do território da Coreia do Sul, por exemplo. Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, critica a instabilidade do combate ao desmatamento no Brasil.

O problema, nos últimos anos, ficou dependendo de orientações de governos que, no caso de Jair Bolsonaro (PL), mais do que omisso na questão, impulsionou o crime ambiental. Quanto ao problema da soberania nacional, por conseguinte, o combate ao desmatamento deve ser realizado de forma autônoma pelo governo brasileiro, com ajudas externas que não ameacem a soberania.

Por fim, tarifas de importação e restrições baseadas em desmatamento e emissões de carbono são tendências que se espalham pelo mundo, com a União Europeia (UE), que aplica o chamado Mecanismo de Ajustamento de Carbono nas Fronteiras (CBAM), que estabelece um preço para o carbono emitido na produção de bens com elevada taxa de emissão que são importados para o bloco, mas que nada tem a ver com o aumento arbitrário de 50% na tarifa adotado pelos Estados Unidos sobre o Brasil.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: poesiaeconhecimento.blogspot.com

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