Terça, 07 Mai 2024

Milonga do gringo doidão

 

Findo o Carnaval, começa finalmente o novo ano, depois dos dois meses em que a maioria dos brasileiros leva a vida em banho-maria.
 
Das vésperas do Natal até as Cinzas, quem pode viaja, vai para a praia e paga as contas. Quem não pode se sacode e vai em frente do jeito que der.
 
 
Para alguns é fim de linha: nessa época sempre parte uma grande personalidade. Este ano foi a vez do grande arquiteto Oscar de Brasília.
 
 
Também nesse período sempre ocorre uma tragédia. Este ano foi o incêndio no boatão Kiss de Santa Maria, que matou em alguns minutos o mesmo tanto que um dos grandes acidentes aéreos da nossa época.
 
 
No rescaldo do pavoroso acidente, provocado por uma sequência de atos encadeados cujo denominador é a sanha irresponsável pelo ganho de dinheiro fácil, as pessoas fazem comparações descabidas e tiram conclusões equivocadas, sem respaldo histórico. 
 
Ao afirmar que o acidente de Santa Maria foi a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul, muitos  se esquecem das guerras e revoluções de décadas passadas, quando inocentes eram chacinados para agradar coronéis, generais e fazendeiros. Na Guerra dos Farrapos (1835/1845), morreram 10 mil pessoas, ou seja, uma boate Kiss a cada dois meses e meio.  
 


Na Revolução Federalista de 1893/95, numa única tarde, ocorreu no oeste gaúcho a degola de 300 prisioneiros, episódio fotografado e registrado em livros.  Eram degolados para não dar despesa e trabalho. Ou como queima de arquivo: morto com um talho na garganta para economizar munição, o preso ficava definitivamente impedido de fugir ou de levar informação verbal ao inimigo.  Atribui-se a degola tricentária a um sujeito chamado Adão Latorre, que naturalmente desfrutou de amplo apoio na execução do serviço.  
 
 
Para alguns, menos inclinados a emocionar-se com catástrofes, não é descabido lembrar que a conta dos mortos da  boate Kiss – 239 pessoas, a maioria jovens estudantes,  até o dia 15 de fevereiro – é menor do que o número de vítimas de acidentes de trânsito entre o Natal e o Carnaval no Brasil; inferior ao número de mortos por armas de fogo no mesmo período; e tampouco supera a conta de vítimas da luta armada durante a ditadura militar (1964-1985), um longo período que alguns negam ter existido ou gostariam de apagar da memória. 
 
 
Contando mortos em combates de campo, assaltos a bancos,  tiroteios de rua, sequestros, desaparecimentos e torturas em prisões civis e militares, a conta se aproxima do meio milhar. Embora seja difícil chegar a ele, o número definitivo está sendo apurado apela Comissão da Verdade, cujo prazo final termina em maio de 2014.
 
 
Nomeados pela presidenta Dilma, os membros da CV vêm lendo dossiês, fazendo buscas, tomando depoimentos de agentes policiais e militares, arapongas, alcaguetes e testemunhas de variados episódios, alguns registrados em livros, outros enterrados em valas comuns ou locais ainda desconhecidos.
 
 
Quem tiver algo a revelar, que o faça sem medo antes que fique tarde. A esta altura dos acontecimentos, seria um crime degolar a verdade. 
 
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
 
“Era um verdadeiro açougue de carne humana, pisava-se sobre bustos separados dos corpos.”
 
 
Giuseppe Garibaldi em suas Memórias, descrevendo o final da batalha de Laguna (SC) em 15 de novembro de 1839,  quando as forças do Império destruíram as tropas farroupilhas estabelecidas meses antes no sul catarinense, onde haviam proclamado a fugaz República Juliana
 

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Terça, 07 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/