Sexta, 03 Mai 2024

Não à mordaça

Enquanto as atenções do Congresso Nacional se voltam para a discussão da manutenção ou derrubada do veto presidencial à nova Lei dos Royalties, a comunidade jurídica está dividida sobre a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2011, batizado por alguns como a “PEC da impunidade”. A proposta visa disciplinar a instauração de inquéritos criminais e toca em uma ferida aberta, a atuação do Ministério Público. 



Apontada como a instituição que promove a defesa da ordem jurídica em todo País, o Ministério Público ganhou um capítulo especial na Constituição Federal de 1988. Desde então, os MPs do estados e federal tiveram uma participação decisiva na revelação dos maiores escândalos da República, como o caso do mensalão, no seio do governo federal; ou da Operação Lee Oswald, apontada com o principal episódio de corrupção na história recente do Espírito Santo. 



O texto da PEC confere poderes investigativos exclusivos às polícias Civil e Federal na seara criminal, inviabilizando a atuação de outros órgãos do Estado, como o Ministério Público. A proposta causou forte reação entre entidades ligadas ao MPs e de parte dos parlamentares, que se reuniram nesta terça-feira (11) para lançar uma campanha contra a aprovação da proposta, de autoria do deputado Paulo Maluf (PP-SP). 



A campanha “Brasil contra a Impunidade” deve se concentrar inicialmente nas redes sociais, a partir do início de 2013, e faz uma série de críticas à proposta que, entre outros tantos prejuízos, desorganizaria o sistema de investigação criminal. Uns dos pontos destacados são a falta de capacidade operacional das polícias para investigar, a redução do número de órgãos de fiscalização e enfraquecimento do combate ao crime organizado. 



Mas o entendimento das entidades ligadas ao MP não é unanimidade entre importantes setores da entidade civil organizada. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, se manifestou favoravelmente à proposta. Para o presidente da entidade, Ophir Cavalcante, o Ministério Público não poderia produzir provas, já que atua na condição de titular da ação penal. As entidades policiais também defendem que as polícias sejam responsáveis pelos inquéritos. 



No mesmo sentido, uma maioria silenciosa de agentes políticos – em teoria, os principais beneficiados pela medida – alega que membros do Ministério Público cometem excessos em sua atuação, criando um Estado policial. Tamanho poder nas mãos de promotores e procuradores de Justiça e da República criariam um desequilíbrio, já que o Estado acumularia os papéis de investigador e acusador ao mesmo tempo. 



Em uma primeira análise, os argumentos da campanha podem soar como válidos. Mas é preciso que a proposta seja analisada dentro do contexto da atuação dos MPs no País. As investigações das operações Monte Carlos e Vegas, que resultaram na abertura da CPI para apurar as relações políticos do bicheiro Carlinhos Cachoeira, e da própria Lee Oswald, revelam que o trabalho de promotores e procuradores está longe de ser unanimidade. 



Na primeira, o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), sugeriu a apuração da conduta do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em uma possível omissão em relação aos episódios criminosos. Da mesma forma, a denúncia da Lee Oswald foi rejeitada pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), desembargador Pedro Valls Feu Rosa, sobre a alegação de que importantes envolvidos no caso de corrupção não teriam sido investigados – promovendo o chamado “arquivamento implícito”. 



Exemplos mais do que emblemáticos para evitar que a postura de alguns poucos membros da instituição fiquem acima de qualquer suspeita. É preciso que o Legislativo mantenha o equilíbrio necessário para evitar qualquer retrocesso. Mas é preciso também que se imponha limite nas atribuições da instituição, utilizada por uma minoria para dar vazão a todo expediente de perseguição ou compadrio às elites empresariais e políticas. 



Não à mordaça ao Ministério Público. Mas é preciso que se crie meios de fiscalizar o fiscalizador. Que o procurador-geral de Justiça capixaba, Eder Pontes da Silva, tenha mais cuidado com quem posa. A verdadeira impunidade pode se camuflar onde menos se espera.

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