Os horários eram tão confiáveis quanto um relógio suíço
Apesar dos infinitos recursos que a Internet nos garante, as caixas do correio estão ainda lotadas, como no tempo em que as cartas eram o meio mais usado de comunicação à distância. A outra opção era o telegrama, rápido porém caro, cada palavra medida a conta-gotas: a escassez era a norma, muitas vezes apenas um ‘Faleceu’, ou ‘Já Nasceu’ – e o destinatário sabia de quem estavam falando. Outras vezes não.
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O telefone era coisa de filme de Hollywood, mas muito antes de chegarem aos nossos lares, as estações da Leopoldina já tinham aparelhos falantes interligando as estações como uma corrente contínua – quando o trem partia, o agente ligava para a estação seguinte, que ligaria para a estação seguinte – e assim por diante. Eram a segurança do transporte: se o trem saísse e não chegasse na hora marcada, eles saberiam que algo deu errado. Os horários eram tão confiáveis quanto um relógio suíço.
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Não tendo trens o dia todo, o telefone da agência ficava ocioso e fazia serviço comunitário: Favor informar aos Menezes que Da. Antonina faleceu. Um mensageiro – então chamado moleque de recados, era enviado à residência dos Menezes para transmitir a má notícia. E também as boas: Nasceu, é macho! Ou a data do casamento do primo Raimundo, ou uma alta muito esperada no preço da saca do café em grão.
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O moleque de recados do trem transmitiu a notícia de que Seu Getúlio mandou queimar todo o café já colhido, secado, catado, catalogado e ensacado. Imagina o rebuliço, o sujeito lá no mato sem entender patavina do que estava acontecendo mundo afora, corria a esconder as sacas de café embaixo das camas. Mulher, joga uma coberta comprida em cima pra ninguém ver. Em uma penada, como diz o vulgo, 78.2 milhões de sacas de café viraram fumaça: O trabalho de todo um ano, que garantiria o sustento da família no ano seguinte…
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Devia ter mandado distribuir de graça pra pobreza, que só tomava café ralo pra economizar o pó. Nesse tempo o açúcar era caro, e o café na caneca de ágate era temperado com rapadura. Broa de fubá pra acompanhar. Se chegasse visita, fosse parente, meeiro, autoridade, ou o moço do sítio vizinho rodeando a sinhazinha de olhos sonhadores, lá vinha o café quentinho, passado no filtro de flanela. A pausa que faz amigos, engana o frio e estica a conversa noite a dentro.
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Com os telefones obrigatórios nas residências e agora nos bolsos, as cartas perderam a credibilidade: Não confio nem em carta de baralho. Aí vieram as máquinas fotográficas, e a foto tinha total credibilidade: as imagens fotografadas copiavam a realidade, sendo aceitas até como prova em juízo. A invasão dos computadores trouxe o Photoshop: Quem vai confiar em uma foto que qualquer um pode manipular e modificar? Eu só confio nos meus olhos.
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As surpresas estão sempre nos surpreendendo, o impossível está ao alcance de todos: chegou o IA, onde tudo pode ser mudado, trocado, reinventado, alterado, movimentado. Não confio nem nos meus olhos: Ninguém me contou, Raul, eu vi com meus próprios olhos você no escurinho do cinema no maior amasso com a Rufina, aquela sirigaita! Não era eu, querida, juro! Isso é coisa dessa Inteligência Artificial.

