Terça, 30 Abril 2024

Não saia de casa sem ele

Ana e Aldo se conheceram em um baile no Clube Comercial, ao som do mais romântico de todos os boleros. No compasso do dois-pra-lá / dois-pra-cá, eles se apaixonaram. Ela usava um vestido azul, então chamado tomara-que-caia. Como o pai não aprovou a ousadia, Ana jogou por cima um bolero verde. Não combinava, mas era melhor do que perder o baile. Aldo usava um terno azul, completo com paletó e colete - a versão masculina do bolero. Não saia de casa sem ele.

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O bolero se inspirou na elegante jaqueta curta essencial ao traje dos toureadores. Nada mais impróprio para enfrentar o touro e arriscar a vida. Não admira, então, que esse pequeno detalhe da vestimenta moderna seja originário da Espanha. O bom-gosto feminino o adotou - entra estação, muda estação, ele continua na moda, adaptado ao gosto e estilo do momento. Seja nas boutiques das grifes mais famosas, seja nos cabides da C&A, um bolero vai bem com tudo e agrada a todas - o bolero é, antes de tudo, um coringa.

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Bolero, porém, vai mais adiante ou vem de mais longe, superando nossa vã filosofia. O gênero musical que chamamos bolero nasceu em Havana, Cuba, em 1883 - mais velho que nosso samba. O primeiro bolero se chamava Tristezas, talvez assim definindo o estilo - tal como o tango, o bolero é dramático, choroso, combinando bem com as dores do amor. O gênero depressa se espalhou pelo mundo e muitos deles se tornaram imortais.

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O primeiro bolero a fazer sucesso internacional foi Aqueles Olhos Verdes. Cantado na voz impecável e harmoniosa de Nat King Cole, a música invadiu nossos lares e conquistou nossos corações. O bolero mais famoso, porém, é o mexicano Bésame mucho, composto em 1940 por Consuelo Velásquez, na época com 15 anos apenas. Ela disse: quando criei essa música, nunca tinha sido beijada. Mesmo assim, se saiu muito bem. Compositora e cantora, Consuelo nunca mais repetiu o sucesso de sua primeira criação. Aliás, essa é a sina e a síndrome de muitos autores: criar uma primeira obra-prima que nunca mais acontece.

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A singela obra-prima de uma adolescente já foi interpretada pelos maiores cantores do mundo, como Os Beatles, Plácido Domingo, Frank Sinatra, João Gilberto e tantos outros. E continua na moda. Romântica na medida certa, essa é a música mais cantada e gravada da língua espanhola. Nos embalos do "que tengo miedo perderte", nasceram muitas histórias de amor. Como a de Ana e Aldo - ele de terno e bolero, ela de vestido azul e bolero verde. "Talvez amanhã eu estarei longe, muito longe de ti". Aldo partiu, foi dançar boleros em outras terras. Ana se casou, divorciou e embarcou em um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Na boate do navio, Aldo cantava Besame Mucho para os casais românticos - ele de camisa branca e bolero verde, ela de vestido verde e bolero branco. Desta vez combinando.

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