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No Brasil tudo é grande

A prisão de Ezequiel Castanha, apontado pelo Ibama e a Policia Federal como “o maior desmatador da Amazônia”, levanta o véu da impunidade sobre crimes ambientais como extrair madeira de florestas públicas e a venda de glebas griladas para criadores de gado.
 
Castanha foi preso no sábado, 20 de fevereiro, em Novo Progresso, município paraense de 25 mil habitantes situado na beira da BR-163, que liga Cuaibá a Santarém. Por fotos publicadas pelo jornal da cidade, viu-se que o acusado cultiva um topete (à moda Elvis Presley e James Dean) semelhante ao de Rainor Greco (1926-2001), o capixaba que se gabava de ter sido o maior derrubador de árvores do Brasil e do mundo.
 
Se Castanha é o maior dos quadrilheiros, conforme a classificação do Ibama e da PF, quem são os outros desmatadores? Onde atuam? A quem entregam o produto (madeira) de seus roubos? Por que não se publica logo o ranking dos desmatadores? O crime é antigo, secular. Não é difícil desvendá-lo. Basta que se queira fazê-lo. Sempre foi praticado na esteira de abertura de estradas.
 
Se a prisão do “maior desmatador” não for uma jogada para distrair a atenção sobre a quadrilha de empreiteiros que vinha atuando na órbita da Petrobras, os brasileiros devem se congratular diante do virtual desmantelamento do maior crime ambiental da história do Brasil. Esta é a primeira vez que se juntam no mesmo momento as pontas de dois fenômenos – a destruição das florestas e a crise hídrica.  
 
É verdade que a maioria dos brasileiros sempre demonstrou desprezar a vegetação e até gostar de “botar fogo no mato”, como denunciou o ecologista José Lutzenberger nos anos 1970, mas não se pode esquecer que o desmatamento da Amazônia ainda desfruta do beneplácito oficial – durante a ditadura militar (1964-85), o Banco do Brasil financiou as derrubadas para a implantação de pastagens…
 
Enquanto aguardamos que os órgãos públicos revelem detalhes sobre os malfeitos dos desmatadores, publicamos abaixo a entrevista que o jornalista Marcelo Csettkey fez com o cientista Antonio Donato Nobre, especialista no bioma amazônico e o único brasileiro a fazer parte do Painel Internacional da ONU sobre mudanças climáticas. A entrevista foi publicada no Jornal de Debates, no Observatório da Imprensa e em outros sites.
 
O jornalista, baseado no Rio, toma como ponto de partida o relatório científico intitulado “O Futuro Climático da Amazônia“, no qual Nobre afirma que não há outra saída para a crise hídrica senão restaurar as florestas. Para tanto, é preciso combater a ignorância que paira como uma nuvem negra sobre a Amazônia e os outros biomas brasileiros.
 
O que de fato acontece que põe em risco o abastecimento de água e energia elétrica nas cidades e capitais do Sudeste?
 
NOBRE – Os sintomas do desarranjo climático estão aí. Como na crônica da morte anunciada, experimentamos já agora muito do que fora previsto desde mais de 20 anos por vários estudos feitos na Amazônia. E da observação desta nova realidade chegamos à conclusão cientifica: remover árvores leva a um clima inóspito. Com a destruição continuada das florestas é garantido o destino de clima não amigável, especialmente sob o estresse aumentado das mudanças climáticas globais. Éramos felizes e não sabíamos, pois a Amazônia foi e, apesar do desmatamento, ainda é, grande provedora de serviços ao clima. Sabemos agora que a região centro sul da América do Sul recebe a maior parte de suas chuvas a partir de vapor bombeado pela grande floresta. Tal explicação permite compreender por que essa rica região produtiva não é deserto, como são outras regiões na mesma latitude. O clima é variável, assim é provável que, apesar destes anos alarmantemente secos, ainda voltem as chuvas. Não sabemos exatamente como essa transição para uma aridez possa se dar. Mas sabemos que, quando vier, toda a região se verá permanentemente privada do elo mais importante do ciclo de água doce em terra: o suprimento pelas chuvas. 2014 já é um exemplo do que poderemos esperar.
 
O que provoca o surgimento de uma enorme massa de ar seco, um “paquiderme atmosférico”, em cima da Região Sudeste?
 
NOBRE – O grupo no qual atuo, liderado pelos físicos russos Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva, explica o fenômeno como decorrência direta da remoção de florestas (também na própria região Sudeste), o que impede a convergência de umidade do oceano para o interior do continente, permitindo a estacionamento dessa massa de ar quente e seco, típica de deserto. Tem também a alça de ar da circulação de Hadley, aquela do ar ascendendo úmido no entorno do Equador e baixando seco nas latitudes médias – a explicação clássica para o cinturão de desertos nessas latitudes – que poderia estar recebendo vitamina energética do próprio aquecimento global. Liguemos as pontas: tire as florestas e os efeitos da circulação alterada pelo aquecimento global têm campo livre para atuar e eventualmente ali se fixar. Se essa nova circulação e seu clima associado vieram para ficar, se já não for tarde demais, a única possibilidade é recolocar na paisagem o elemento-chave para um clima amigo: restaurar as florestas.
 
“A floresta amazônica tem papel importantíssimo na regulação climática”
 
Quais as medidas mais eficientes para se impedir a catástrofe climática anunciada?
 
NOBRE – Nesta altura e a curto prazo não parece provável ou mesmo possível impedirmos a calamidade climática que nos bate a porta. Mas creio que podemos, se fizermos um genuíno esforço de guerra na restauração extensiva das florestas, atenuar muito os efeitos e quiçá logremos recuperar o espetacular sistema de condicionamento climático que operava no “berço esplêndido”.
 
Os políticos são os últimos a reconhecer a situação emergencial. Na realidade, ao que tudo indica, o governo Dilma está na contramão da História, pois negou a assinatura da carta de intenções pelo desmatamento zero até 2030, e replantio de árvores, na Declaração de Nova York sobre Florestas, em setembro de 2014, na reunião do Clima em Nova York – documento assinado por 29 países, incluindo Estados Unidos, Canadá e vários países da União Europeia. Que interesse, segundo sua opinião, motivou a negativa?
 
NOBRE – Não me parece útil presumir os interesses que governam o Brasil. Entretanto, o que parece evidente é que tais ações (ou falta delas) são instruídas pelo desconhecimento da ciência. Tenho a esperança de que governantes responsáveis e compromissados com a sorte da sociedade se apropriarão dos fatos científicos e reformarão as posturas oficiais. Em vista também dos graves fatos climáticos, o Brasil deveria ocupar a liderança mundial em uma luta que resultasse em curtíssimo prazo no estancamento do desmatamento, na abolição do fogo, fumaça e fuligem e no início de um amplo esforço de restauração florestal.
 
Como a destruição da Floresta Amazônica pode interferir no clima mundial? O que irá acontecer se a grande floresta se transformar em uma savana, ou algo pior, em um deserto?
 
NOBRE – Simulando a morte e desaparecimento da floresta, alguns estudos estimaram o efeito da liberação massiva do carbono estocado na Amazônia sobre o clima e os prognósticos que geraram indicam sério agravamento do aquecimento global. Outros estudos avaliaram o efeito do desaparecimento da floresta sobre a circulação atmosférica, transporte de vapor e mesmo no balanço de energia, e indicaram que o clima próximo e distante pode ser impactado via perturbação no funcionamento dos oceanos. A grande floresta amazônica, descobriu-se ter papel importantíssimo na regulação climática local, regional e mesmo global. Eliminá-la será uma catástrofe impensável para a humanidade.
 
“Estamos matando a galinha dos ovos de ouro”
 
O senhor acredita que este tema possa estar inserido na pauta da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 21), em Paris, em dezembro de 2015?
 
NOBRE – O desmatamento na Amazônia precisa ser zerado a qualquer custo. E a tarefa compete primeiramente aos países amazônicos porque a eles foi dado o privilégio de possuir tal riqueza. Os outros países podem colaborar neste esforço através de ações ao seu alcance, especialmente deixar de consumir produtos oriundos da destruição da floresta, como toras e madeira serrada, grãos e carnes produzidos em áreas de onde se removeram florestas, entre outros. Podem também apoiar a adoção de soluções alternativas à construção de hidrelétricas nos rios amazônicos, como facilitar o acesso a tecnologias de energia solar. Mas o essencial é que os países amazônicos assumam a liderança neste grande esforço, que precisa se estender a todos os países detentores de florestas e também aos que precisam reconstruir suas florestas originais. Essa grande ação na proteção e restauração de florestas tem ótima oportunidade de ser encampada pelas Nações Unidas, mas é preciso fazer um grande trabalho de conscientização da humanidade, que então demandará dos governos o fim da procrastinação.
 
Em cinco séculos foram destruídos biomas exuberantes que garantiam o clima paradisíaco que encantou Pero Vaz de Caminha. A devastação sistemática de fauna e flora, apesar de enorme, alterou pouco o clima do país. Que singularidade beneficiou o Brasil até 40 anos atrás? E o que provocou a mudança drástica?
 
NOBRE – A grande floresta amazônica, como sabemos hoje, exporta serviços ao clima para uma maior parte da América do Sul. A destruição da Mata Atlântica certamente teve efeito ruim sobre o clima local, especialmente na perda da regulação hidrológica fina e da capacidade de atenuação de extremos climáticos. Mas nos séculos passados essas regiões continuaram recebendo umidade suficiente da Amazônia para não terem se aridificado. A destruição sistemática e acelerada da floresta amazônica nos últimos 40 anos começa a destroçar a proteção que oferecia. Estamos matando a galinha dos ovos de ouro.
 
“Ainda temos a oportunidade de evitar o pior”
 
Quanto o senhor calcula que a destruição de árvores tenha causado a diminuição dos “rios aéreos” que, tudo indica, tem provocado a crise hídrica crescente? O quanto de espaço foi perdido no desmatamento da Amazônia em quatro décadas?
 
NOBRE – A crise hídrica atual parece resultar da atuação de vários fatores. Aquecimento global, mudança da circulação atmosférica, impedimento da progressão da umidade amazônica e enfraquecimento dos fluxos de vapor nos rios aéreos são alguns destes fatores. Quanto e de que forma exatamente contribui cada um deles, ainda não sabemos. Mas sabemos que todos estes fatores têm sido impactados por atividade humana. O desmatamento é a face mais visível da tragédia: somente de corte raso foram três estados de São Paulo (~763 mil km2). Degradação florestal, uma área maior ainda (~1,2 milhão de km2). Somadas, estas áreas de impacto já ocupam mais de 47% da área original de floresta na Amazônia brasileira. Tanta destruição já está produzindo impacto.
 
Qual a importância das árvores na formação das nuvens? De que forma as árvores são vitais para se gerarem as chuvas de que tanto precisamos para viver?
 
NOBRE – As árvores transpiram grandes quantidades de água bombeada do solo, o que resfria a superfície e fornece matéria-prima principal para a formação de nuvens. Elas também emitem compostos voláteis, os cheiros que, como gases que se precipitam na forma de poeira finíssima, atuam na nucleação de nuvens e promoção de chuvas. Com a condensação do vapor fornecido pelas árvores, ocorre um abaixamento da pressão na atmosfera sobre a floresta, o que determina a sucção dos ares úmidos sobre o oceano para dentro do continente.
 
Há alguma possibilidade de tombar-se a Floresta Amazônica como patrimônio da Humanidade, tentando impedir assim sua destruição pela ignorância humana?
 
NOBRE – Creio ser mais factível e prático empreender esforços para eliminar a ignorância humana. Somente uma sociedade consciente consegue fazer frente a interesses menores e destrutivos que surgem e são defendidos por elites poderosas. O exemplo das hidrelétricas na Amazônia é sintomático. Nos anos 80, depois de absurdos como Balbina e outras represas, pensou-se que nunca mais voltariam a cogitar novas obras deste tipo na Amazônia. Mas passaram-se décadas e o lobby das hidrelétricas voltou à carga, desta vez recebendo suporte de um governo oriundo de movimentos populares e até de parcela da sociedade que passou a justificar a geração de energia para atender à crescente demanda nacional. Até a proteção das reservas indígenas e outras áreas de conservação inscrita em nossa carta magna estão sob ataque eficiente dos interesses menores que dominam o Congresso. A meu ver, somente tombar a floresta, como se faz com valores culturais reconhecidos, não conseguirá barrar tais ataques.
 
Sua mensagem para todos os que alimentam esperança, e possam garantir o futuro climático do Brasil, protegendo a Amazônia – por nós e pelas gerações que virão.
 
NOBRE – Absorva e entenda a mensagem de alerta; aproprie-se do saber sobre a floresta e o clima; explique a seu modo para seu semelhante a importância das florestas; ensine a seus filhos, tios e avós; deixe de consumir produtos que colocam a floresta em risco; plante árvores; substitua seu chuveiro por aquecimento solar; demande de seus representantes e governantes atitudes responsáveis com o interesse da sociedade. E alegre-se que ainda temos essa oportunidade de evitar o pior – se lutarmos com todas nossas forças!

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