Terça, 07 Mai 2024

Nua e crua

 

O amigo e jornalista Orlando Eller sempre envia emails interessantes. Vou repassar este com contém um texto incrível, com seu autor e tudo mais. Obrigado Eller.
 
Intimidade
 
Luiz Felipe Pondé
 
Duas coisas me encantam: o amor e a intimidade. Sou daquele tipo de pessoa que tem preconceito contra quem não é capaz de se sujar de intimidade. Sou um homem de obsessões. Uma delas é que não controlamos a vida. Mas, mesmo assim, devemos tentar ter algum controle sobre ela. Ao final, sempre somos derrotados. Se pensarmos nisso, nada vale a pena. Mas, antes da morte, tudo vale a pena justamente porque nunca venceremos a batalha. Não há qualquer outra dignidade na vida além da do herói épico que combate 1 milhão de inimigos.
 
Revi o maravilhoso "Revelações", com Anthony Hopkins (Coleman Silk) e a bela Nicole Kidman (Faunia Farley). O filme é baseado no romance de Philip Roth "A Marca Humana". Este romance guarda um segredo que não deve ser revelado, sob pena de destruir seu impacto. Ele devia ser lido por todo mundo acometido da doença do século: a superficialidade de alma. Não se combate essa doença com alguma teoria sobre a vida (como pensam os superficiais ilustrados), mas unicamente com o mais puro impasse.
 
Silk é um "scholar" de literatura que tem sua vida destruída porque usa a palavra "spook" ("fantasma", mas que tem um segundo possível significado, "negro", no sentido pejorativo) para dois alunos que nunca iam à aula. Apesar de que ele não os conhecia, e, portanto, não sabia que eram negros, os dois alunos "se ofendem" mortalmente e, por isso, Silk sofre um processo na universidade por racismo. É humilhado por seus colegas. Pede demissão. Sua mulher morre do coração de desespero. Ele tem sua vida arruinada. A universidade, como sempre, quanto se trata de política, é o pior antro de canalhas da face da Terra.
 
Intelectuais são os "comissários do povo" mais temíveis da história. Comissários do povo eram canalhas comunistas que serviam a ideologia do partido. Intelectual com ideologia deve ser evitado como uma praga. Sou um vocacionado à tristeza, mas resisto bem. As pessoas à minha volta sempre me salvam, mesmo que sem querer. Livros e filmes como esses me deixam felizes porque vejo neles o que vejo em mim: o sentido da vida que brota do fracasso, do impasse.
 
Roth sempre narra como indivíduos são esmagados por processos históricos. Neste caso, a hipocrisia neopuritana que se alimenta do antirracismo, fruto imundo da luta pelos direitos civis nos EUA, e que corrói a universidade como uma "peste do bem". Todos devem provar que não têm preconceitos (como em outros tempos teriam que provar a fidelidade ao partido ou a pureza racial) e, por isso, as palavras e os gestos são controlados no detalhe.
 
Coleman e Faunia se apaixonam. Ele, um velho deprimido ("Graças a Deus inventaram o Viagra"), ela, uma jovem pobre desgraçada, faxineira, com três empregos, que "matou seus filhos" num incêndio, espancada pelo marido, abusada pelo padrasto, abandonada pelos pais. Todos são contra. Seus amigos, ex-amigos, inimigos, advogado. Ele é acusado de abusar de uma mulher jovem e pobre. Mulheres mais velhas odeiam quando mulheres mais jovens se apaixonam por homens mais velhos. Ela é acusada de querer dar o golpe da barriga. Ele é culto e sofisticado, ela fala "to fuck" ao invés de "fazer amor". Vulgar, se veste mal e limpa a merda dos outros o dia todo, todos os dias.
 
Mas eles têm aquele tipo de amor que brota dos restos do gozo e da intimidade suja, do afeto úmido que mora entre as pernas das mulheres. Um microcosmo no qual o materialismo vence sua pobreza. Uma vitória do corpo sobre o medo. O filme é uma profunda prova do fracasso do sentido das coisas. Tudo na narrativa constrói a destruição do sentido da vida. O único lugar onde Coleman e Faunia existem é na solidão gloriosa do sexo. Num dado momento ela chama a atenção dele para que tudo que existe entre eles é sexo. Ele insiste que não. Ela diz para ele que ele pensa assim porque não faz sexo há muito tempo.
 
A intimidade física entre uma mulher e um homem é de fato uma das maiores experiência da vida. Em meio aos restos dela, no encontro entre a saliva e o sexo, podemos encontrar alguma alma que valha a pena.
 
PARABÓLICAS
 
Quem está de volta à terrinha é o companheiro Ângelo Ribeiro, figura ímpar do rádio capixaba. Bem-vindo, Ângelo!
 
Fernando Fully e Gabriel Serafim fazem uma boa dupla no Balanço Geral da TV Vitória, que já não é o mesmo de antes.
 
Djs só deviam ser como Jessica Malman, filha de LiliaJane e neta de Xirú. Competência com o balanço da beleza.
 
Narradores esportivos não narrarão mais jogos no Estádio Davino Matos de Guarapari. Será destruído e nascera ali um Shopping
 
MENSAGEM FINAL
 
O amor com seus contrários se acrescenta. Luiz Vaz de Camões

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Terça, 07 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/