Sexta, 03 Mai 2024

O alvo é a vassoura

Quem diria, esse abjeto objeto de degradação social não apenas tem história, mas virou pivô dessa história. Ora dirão, tudo que não nasceu pronto tem uma história, e seu criador ou criadora não entrou para a galeria dos grandes inventores da humanidade. Alguém sabe quem foi ou já ouviu falar desse gênio?



 

Admito que é útil. Imagina limpar o chão dos imensos salões do castelo do Rei Artur, ou os longos corredores do Mosteiro dos Jerônimos... Não tinham ainda inventado o aspirador nem o espanador, mas aquelas longas saias femininas ajudavam muito na limpeza. Pior era o tempo do balde/pano-de-chão, precursores da vassoura. Ela foi, pois, um avanço tecnológico.



 

A intenção foi boa, mas a discriminação a relegou a objeto de uso exclusivo das mulheres. Pior, quando a inquisição apontava o dedo acusador contra todos, inventaram as bruxas. Bastava ser feia, ter uma verruga no nariz e um queixo protuberante, e já era excluída do convício social. Sem alternativa, ela ia pro mato catar raízes e cogumelos pra comer, e a acusavam de juntar ingredientes de feitiçaria.



 

O cenário estava pronto para mitos, lendas, e contos de fadas. E que instrumento a coitada poderia usar para o exercício da bruxaria? Avião, carro, motoca, bicicleta ainda não tinham sido inventados; cavalos eram caros e de uso exclusivo dos homens. A vassoura, que toda mulher sabia manejar bem, ganhou dons mágicos, embora para o mal. Já viram fada cavalgando vassouras?



 

A rejeição persiste até os dias de hoje. Alguém imaginaria Paris Hilton de vassoura na mão? Artistas, escritoras, pintoras, executivas, feministas, dondocas emergentes? É só subir na escala social e o subconsciente feminino grita – Vassoura, nunca mais! Vai junto o pano-de-chão, comparsa da magricela, e o aspirador, sua evolução tecnológica.



 

Não nego suas muitas utilidades: serve para matar baratas e dá emprego aos cegos. Mas os cegos poderiam fabricar objetos mais nobres, não? Numa inesperada reviravolta do destino, a vassoura virou alvo de campanha presidencial – Jânio Quadros veio varrer a sujeira burocrática. As mulheres pensaram que era a redenção feminina, votaram e se arrependeram.



 

Indiferente a todo esse histórico, a garota pediu uma vassoura de aniversário. Não era feia, mas o queixo tinha uma certa protuberância e uma verruga começava a crescer no nariz. Não eram ricos, mas os pais conseguiram uma plástica no SUS, e os problemas foram removidos; não ia crescer com “cara de bruxa”. Se houvesse cirurgia plástica na Idade Média, muitas mulheres não teriam morrido nas fogueiras.



 

Agora vinha a filha pedir uma vassoura. No aniversário ela ganhou um i-pad e ficou feliz; era bem antenada com a modernidade. Mas insistiu que queria uma vassoura novinha, só pra ela. “Pra quê, filha? “ pergunta a mãe, apreensiva. “Pra treinar, Mãe. Quando crescer vou ser guitarrista”.

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