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O bom conselho

A highway do trajeto diário se divide em nervosa bifurcação – três faixas vão pro norte e três faixas pro sul, onde naturalmente se unirão a outras três, e tudo continua na mesma. Tudo que você precisa é se manter na sua faixa, e a vida seria cor de rosa. Ou seria simples, não fossem os humanos tão complicados. Todo mundo quer ultrapassar todo mundo, e esse transa-transa, além de provocar constantes acidentes e causar traumas irremediáveis, engarrafa tudo.
 
Os poucos motoristas que seguem as leis do trânsito e da ética, ficando em suas faixas, são prejudicados pelos que os ultrapassam e vão furar a fila lá na frente. Todo mundo faz isso, dirão os que fazem, mas é o mesmo que furar fila no cinema ou no caixa do supermercado. Embora honesta e responsável, a Vera faz, embora esse deslize moral lhe estrague o dia – sofre ataques profundos de remorsos. Não pode chegar atrasada, mas o motorista que ficou para trás podia?
 
Num dia de chuva, o trânsito ainda pior que nos outros dias, Vera mais atrasada do que todos, vê na sua frente um carro de polícia. Azar dos azares, não pode se arriscar em fazer algo que agrida a lei e a boa conduta, pois o castigo é dobrado.  Sabendo que quem fura fila no trânsito está com pressa, o policial retém o incauto propositadamente o mais possível, então é multa e mais atraso.
 
Mas esse policial – sem sirene indicando estar correndo atrás de bandido ou indo salvar a donzela em perigo, vai em frente furando todas as filas. Para passar da faixa da esquerda que vai para o norte, ele precisa fazer três ultrapassagens, ou furar três filas, para chegar na faixa da direita, que vai para o sul, onde ele não chegou atrasado. Tinha mais gente fazendo isso, ele não agiu sozinho; mas um policial?

Temendo que ele a multasse, Vera permaneceu na faixa errada, sendo forçada a virar para o norte, quando deveria ir para o sul. Além de esticar o atraso ainda gastou mais gasolina. E se sentiu traída pelo homem da lei, responsável por manter a ordem e garantir um trajeto tranquilo para todos. Mas se ele não estava a serviço, por que não poderia agir como um motorista qualquer, cometendo as mesmas faltas que os outros cometem?

 
Seria o caso do  médico que proíbe o paciente de fumar, mas fuma. Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço nem sempre é desonesto, pois ele deu o bom conselho, mesmo que não o siga. Imagine o médico agindo honestamente, Meu dever profissional é avisar que o fumo está te matando, mas meu dever moral é admitir que também fumo. Portanto, fume se quiser. Eu consumo um maço por dia, e você?
 
Quem não pecou, pelo menos uma vez, que atire a primeira pedra, já sabendo que muitas outras se seguirão. Prepare-se. Vá e não peque mais, disse Jesus à pecadora que deu o azar de ser pega em flagrante delito. Mas quem sabe ela deu o fora no machão e ele se vingou, expondo-a à fúria da plebe ignara? Porque tem pecados que  não se pratica sozinho. No trânsito Vera não estava sozinha, eu estava a seu lado, e dei o bom conselho. Se ele foi, por que você não vai?
 
Não consigo, ela diz. Estamos tão condicionados que, inconscientemente, pisamos no freio   quando vemos um carro de polícia… mesmo que esteja vazio e parado na porta do bar. Mesmo se ele está infringindo a lei e você está na velocidade permitida, com a placa em dia e todos os faróis funcionando direitinho. Mesmo que você perca a reunião da chefia.

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