Domingo, 28 Abril 2024

O câncer inflacionário

 

A inflação é um bichinho danado. Feito caruncho ou gorgulho, se alimenta principalmente dos salários dos trabalhadores. Vai roendo, roendo e, quando se vê, engoliu um bom pedaço dos ganhos de quem está na base mais vulnerável da economia e é obrigado a entregar ao supermercado, à quitanda, ao armazém, à mercearia, ao boteco, à farmácia e ao locador o dinheiro obtido no trabalho regular.
 
Não há melhor exemplo da corrida preços x salários do que uma charge do cartunista Reginaldo Fortuna. Foi publicada nos anos 1970 pela revista Veja. Segundo esse desenho claríssimo, os preços subiam pelo elevador enquanto os salários iam pela escada. Elementar.
 
Na ditadura militar-empresarial, o arrocho salarial fazia parte do jogo. Enquanto os salários podiam ser corrigidos apenas uma vez por ano, os preços caminhavam na frente, lesando o poder de compra dos trabalhadores todos os dias, todas as semanas, todos os meses.
 
Pois agora, 40 anos depois do “milagre econômico brasileiro” – fruto de incentivos fiscais à exportação e financiamentos subsidiados à ampliação da capacidade instalada da indústria –, o caruncho inflacionário está outra vez instalado no corpo da nossa economia.
 
O que podemos fazer? – perguntará alguém situado na base da economia.
 
Podemos reagir deixando de comprar produtos majorados, mas nessas situações de disputa pelo poder do dinheiro os agentes econômicos situados em posições privilegiadas desdenham das reações dos mais pobres. Deixar de comprar, eis nossa defesa. Mas isso não impedir que a majoração dos preços seja detectada pelos levantamentos que alimentam os índices do custo de vida.
 
Além disso, devemos tomar consciência de que a inflação é o resultado da luta entre quem tem e quem não tem. Ou entre os que têm muito e os que têm pouco. A presidenta Dilma e o ministro da Fazenda Guido Mantega vivem falando que a majoração dos preços pelos agentes econômicos – detentores dos meios de produção e, portanto, do poder de fixação dos preços – constitui um imposto inflacionário aplicado sobre os menos afortunados.
 
O ex-ministro Antonio Palocci, que nem economista era, mas médico, costumava dizer que a inflação é um câncer que corrói o tecido econômico. É uma boa metáfora que não chega a nos consolar. Infelizmente, a luta contra a inflação é uma luta inglória porque desigual.
 
O que podemos ver nessa insidiosa manipulação de preços é uma megajogada política para conter os ganhos obtidos nos últimos anos pelas classes trabalhadoras. Os empresários têm motivos políticos, econômicos, sociais e psicológicos para querer punir os que saíram da miséria para a pobreza, mas no fundo estão sendo irresponsáveis, como é próprio das elites insensíveis. Em outras palavras, a ditadura empresarial tenta voltar.
 
 
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
A argumentação exposta acima é uma extrapolação elementar do conceito  básico desenvolvido pelo economista Ignácio Rangel (1914-1994), autor do clássico A Inflação  Brasileira (1963), para quem a inflação reflete o exercício de poder dos monopólios econômicos.  

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