Maria consegue uma vaga de professora numa grande e conceituada universidade federal. Para seu próprio espanto, que nunca sonhou com tal possibilidade. Entrou na maratona porque uma amiga estava aplicando para a vaga e insistiu que ela aplicasse também. Maria conquistou a única vaga, pondo fim numa amizade de muitos anos. Ultrapassada a exaustiva burocracia para se ocupar um cargo público nesse país, chega o muito esperado primeiro dia de aula.
Maria chega cedo, carregando na bolsa nova o esquema da aula inaugural preparado com semanas de antecedência. Adentra o templo do saber e se dirige à secretária na recepção, que lixa as unhas ouvindo música no Ipod. “Bom dia. Bom não, ótimo. Sou a nova professora!” A secretária de desmancha em sorrisos, “Ah, Dona Maria Animada… Muito prazer! Sou Alda, a secretária do departamento. Se precisar de alguma coisa, pode me procurar”.
“Como assim, se precisar? Claro que vou precisar de muitas coisas, a começar pelo número da minha sala”. Alda a olha como se Maria perguntasse se o Bill Gates deixou recado, “A sala dos professores é uma só, basta seguir por esse corredor”. Maria agradece e vai pelo corredor um tanto decepcionada – uma sala para todos os professores, que nem escola primária? Não demora a voltar, “Desculpe, Alda, todas as escrivaninhas estão ocupadas. Onde fica a minha?”
Alda desliga o Ipod, “Ah, esqueci. Você foi contratada para uma nova cadeira, não está substituindo alguém que saiu e desocupou uma escrivaninha. Infelizmente não tem espaço na sala para pôr mais ninguém”. Isso Maria percebeu na primeira vistoria. “E então, onde fico?”, pergunta, e Alda a olha como se perguntasse se teria mesmo que dar aulas, “Isso é com o Reitor, que está em Brasília e só volta na semana que vem”. Maria pergunta quem mais poderia resolver seu problema. “Todos estão em Brasília resolvendo problemas de verbas e subsídios e aumentos de salários”, Alda informa.
“Tais problemas não deveriam ser resolvidos antes do início das aulas?” Alda ri como se Maria contasse a última piada que achou no Facebook, “Antes do início das aulas não tem ninguém em Brasília”. Maria suspira, mas sabe que é assim mesmo. “Tudo bem, mas onde fico?” A moça indica a poltrona da recepção, “Pode sentar ali, por enquanto. Tem café e água gelada naquele canto, tá mais perto do banheiro”. Maria gagueja, perplexa, “Na poltrona da recepção?” Alda a consola, “É provisório; logo logo vão lhe arranjar um lugar definitivo”.
O logo-logo se estica por semanas. O Reitor e seu séquito voltam de Brasília e Maria continua na poltrona da recepção. Suas tentativas de falar com o Reitor, ou o Vice-Reitor, ou o Sub-Reitor são infrutíferas – ninguém está disponível ou tem tempo para solucionar o problema. Maria cansa de esperar. Na segunda-feira, tempo bom, ou melhor, ótimo, chega bem cedo na faculdade, antes do horário das aulas, e espeta sua barraca de camping bem na entrada do departamento.
Instalou ventilador, escrivaninha, cadeiras, e na entrada afixou uma placa – Prof. Maria Desanimada. Os estudantes se amontoaram em volta,dando total apoio. Vieram as autoridades de sempre exigindo que se retirasse; veio o Reitor em pessoa, ameaçando demiti-la se não levantasse o acampamento. Maria a tudo resiste, e avisa que no dia seguinte vai chamar a imprensa. Uma escrivaninha bem localizada num instante aparece, e a vida volta ao normal na universidade. Mas não por muito tempo. No dia seguinte Maria incita uma greve geral, pressionando o Reitor a prover papel higiênico nos banheiros.

