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​O direito de mentir

Fere os interesses, muda a lei. E a ética?

É velho o ditado popular que afirma a mentira bem vestida como mais convincente que a verdade nua. Desta forma tem sido construído o mundo em que vivemos. Desde os mitos criacionistas e mesmo com a dita evolução do pensamento humano, ainda temos imperando em nossa imaginação, só como exemplo, desde a infância, o cultivo do final feliz ou apropriado, independentemente dos meios utilizados para alcançá-lo e se verdadeiro (ou mesmo verossímil) ou falso. Para confirmar, é só buscar nos personagens das histórias infantis mais clássicas.

Adotando posição permissiva à livre circulação de fake news, sob a alegação de defesa da liberdade de expressão, penso que o Congresso Brasileiro abre a caixa de pandora que tem possibilitado à direita e extrema-direita a expansão de adeptos aos seus ideais. A tergiversação de valores cristãos para o amparo de tradições e a alienação da população (às vezes de seu lugar originário para o almejado), são os principais argumentos que, manipulados, arrastam uma multidão de simpatizantes às narrativas do discurso conveniente, conservador e extremista que sustenta a direita.

Nosso mundo, definido pela linguagem e dela refém, traz desde a antiguidade, a querela entre o discurso válido e o verdadeiro que: divide opiniões e constrói facções na população. Afinal foi a principal marca no surgimento da democracia grega, com o surgimento dos professores de retórica, chamados Sofistas.

Quando o discurso convincente é dominado pelo político profissional (aquele maquiavelicamente constituído), e ele não está submetido à verdade em seu discurso, o povo vira presa fácil.

Grandes atrocidades vivenciadas pela humanidade tiveram sua origem em convencimentos, contaminados pela unilateralidade de pontos de vista e aceitos como verdade. Posso citar desde o medievo até o holocausto, posso ainda provocar usando como exemplos as guerras de Rússia x Ucrânia e Israel x Palestina, que estão mais em evidência. Cada lado construindo uma verdade da qual, por leviana conveniência ou não, acredita e tenta, às vezes por meio da força, fazer acreditar.

Bem, com toda a evidência do que pode a mentira, e a amplitude da abrangência das ações movidas pelo convencimento numa democracia, me parece que a questão dos argumentos e meios para alcançar este convencimento têm compromisso ético.

Se para o Congresso Nacional isso não importa, tudo indica que as consequências maléficas (hoje muito focadas nas eleições municipais), sejam bem mais profundas na vida da população, até porque as pessoas estão cada vez mais influenciadas pelos conteúdos da internet, ainda com o acréscimo de que os mais popularizados são os das redes sociais.

À parte a discussão quanto à realidade do virtual ou a virtualidade do real e a relação intrínseca entre essas duas coisas (que vale uma boa reflexão), o que eu chamaria de marco regulatório seria o respeito às pessoas no sentido de suas dignidades, configurando como crime, porque banido de nossa ética, a utilização da mentira onde se busca a verdade.
Ao descriminalizar o uso da mentira por meio de fake news, pela liberdade de expressão, o Congresso Nacional põe em seu próprio “corpo”, como “roupa bonita”, uma atadura incapaz de conter o câncer da falsa representação que lhe corrói.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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