Quarta, 24 Abril 2024

O fenômeno mutante

 

Os economistas não estão encontrando explicação para o fenômeno: desde 2011, a economia brasileira perde dinamismo, com o crescimento projetado caindo de 4,5% para 2% em 2012, mas o mercado de trabalho continua aquecido, com milhares de contratações todos os meses. Pela lógica, as empresas deveriam estar demitindo. O que se passa?
 
Alguns acham que a desaceleração da economia pode ser o reflexo de um ajuste temporário da demanda. Assim, os empresários estariam esperando as coisas se encaixarem novamente. Seria uma forma de “cozinhar o galo” pois demitir e depois recontratar-e-treinar seria muito oneroso. Os empresários estariam com o pé no freio – como os caminhões descendo a serra -- na esperança de recuperar a marcha assim que “chegar no plaino”.
 
O maior mistério é que o mercado de trabalho continua ativo e as taxas de desemprego seguem baixas. Segundo uma interpretação veiculada pela Fundação Getulio Vargas, o mercado de trabalho permaneceria aquecido porque estariam faltando principiantes nas cabeceiras do sistema de mão-de-obra. Assim, as empresas estariam retendo pessoal já treinado na expectativa de uma retomada do crescimento. É uma boa sacada, mas será verdade?
 
O que fazer se a economia, como o time do Vasco, vai caindo na tabela? Trocar o ministro da Fazenda não adiantaria, até mesmo porque Guido Mantega tem boa visão de jogo e sabe mexer no time. A toda hora ele não vem prorrogando os impostos? É sinal de que está sensível ao quadro mutante da conjuntura econômica.
 
Além disso, a comissão técnica (Banco Central) também vem jogando bem ao baixar os juros básicos, embora a economia – como um doente crônico -- não reaja. Pela lógica, a queda do custo do dinheiro deveria estimular os investimentos e o consumo. Isso não está acontecendo, o que só aumenta o mistério.  
 
Outros economistas supõem que por baixo desse desaquecimento da economia podem estar em ação alguns componentes estruturais, como o aumento da participação relativa do setor de serviços na economia, em consequência da chamada desindustrialização, ou seja, nossas fábricas estariam reduzindo atividades por causa da entrada no mercado de produtos da indústria chinesa com seu poderoso dumping operário. “Recomposição setorial da economia”, eis o nome da coisa.
 
O fato é que o fenômeno não tem uma única face. No meio dessa confusão aparecem indicadores positivos. O comércio exterior brasileiro continua dinâmico, com importações elevadas e exportações se mantendo ainda num patamar positivo, graças à desvalorização da moeda brasileira. Mas não há dúvida de que o mercado externo está comprando menos, o que não surpreende quando se sabe que a Europa está apertando os cintos.
 
E não percamos de vista os indicadores negativos. Além de ter reduzido os investimentos, a indústria começa a registrar um aumento da capacidade ociosa. A elevação dos estoques em alguns setores é outro sinal de que o carro está travando. Também a elevação da inadimplência pode ser vista como um sinal de que se está chegando ao esgotamento da capacidade de consumo da população.
 
Talvez seja o caso de aplicar a metáfora segundo a qual, entre a mexida no leme e a efetiva virada do navio para um novo rumo, vai um tempo considerável. Pode ser, mas sequer sabemos se a guinada está sendo feita para o rumo certo. Afinal, qual o rumo certo?
 
O perigo é que o fenômeno se alastre da indústria para o setor de serviços, que envolve muito mais gente. Por enquanto o terciário continua dinâmico, mas há dúvidas quanto à sua capacidade de gerar novos empregos.  
 
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério de Trabalho, o desempenho do emprego formal já apresenta significativa inflexão desde o momento mais aquecido de 2010. Na verdade, 2012 é o segundo pior ano de criação líquida de emprego formal desde 2006, sendo melhor apenas do que 2009, o ano de máximo impacto da grande crise global. Observando esses números, os técnicos acreditam que, após as demissões, pode haver um aumento da informalidade no mercado de emprego, o que inverteria a tendência de formalização estabelecida desde 2004.
 
Segundo as estatísticas, os postos de trabalho com carteira assinada, que cresceram vigorosamente a partir de 2006, tenderam a se acomodar desde 2011, quando começou a cair a produtividade laboral. Já o número de trabalhadores sem carteira, que vinha caindo no mesmo período, estabilizou-se. Há quem veja nisso o fim do ciclo de formalização que marcou o governo Lula.
 
O maior temor dos analistas é que as empresas se cansem de esperar a retomada do crescimento e comecem a demitir, o que poderia redundar num quadro geral de recessão. É isso que o governo tenta evitar com a redução temporária dos impostos e o anúncio de programas de investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, tudo com financiamento estatal. Observe-se que, fora os investimentos da Petrobras no pré-sal e da Eletrobrás em usinas de eletricidade, a maior parte dos projetos oficiais dá prioridade para construir infraestrutura para circulação e transporte, ou seja, é tudo investimento no terciário. O mesmo raciocínio de aplica aos investimentos em saneamento e habitação: ativa-se a indústria da construção mas quem mais se mobiliza é o setor de serviços.  
 
Tomara que tudo isso dê certo. Dando mesmo, é possível que ao fim do governo Dilma, tenha ele quatro ou oito anos, a economia brasileira apresente outra configuração. O que se desenha no horizonte é uma economia fortemente dominada pelo Estado mas gerida pela iniciativa privada.  
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Hay gobierno? Sou contra, mas se me oferecer obras e concessões, podemos entrar em acordo”
 
Lema dos capitalistas brasileiros oportunistas ultraliberais

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