O final do filme
Ao enviar um email, você sabe muito bem como o iniciar e o que vai escrever. Ou pelo menos deveria. Não pretende a coluna dar aulas de etiqueta de email, visto que elas abundam na Internet. A regra que não foi criada ainda pelos sábios virtuais é como encerrar sua troca de emails. Não exatamente o email, que cada um sabe como interagir com quem, mas saber quando pôr o ponto final na conversação nele contida.
Segue email número 1 com o assunto em questão, que pode ou não solicitar alguma coisa; volta email número 2 em resposta; que pode ou não atender o que tenha sido solicitado; segue-se email número 3 com um agradecimento formal. Ponto final, assunto encerrado e arquivado, certo? Longe disto, volta email número 4, agradecendo o agradecimento; rebate email número 5, insistindo que quem agradece é quem obteve o favor... Paramos por aí? Pois sim!
É o mesmo problema no encerramento dos telefonemas de antigamente, entre duas pessoas apaixonadas, comunicação essa hoje praticamente extinta, transferida para emails e mensagens de texto. Mas a dificuldade de fechar o diálogo é a mesma. O Número 1 diz, Tchau, amo você! Responde o Número 2,Te amo mais ainda; Não, eu te amo mais do que você me ama; Nada disto, eu te amo muito mais; Não importa o quanto você me ame, eu te amo em dobro...
Assim como os apaixonados congestionavam as linhas telefônicas, hoje congestionamos a Internet com infindáveis emails. Muitas vezes fica impossível acessar sua conta, porque tem gente rebatendo agradecimentos e juras de amor feito peteca - Thank you pra lá, Thank you pra cá; Obrigada, Não, eu que agradeço; Merci, Merci pra você também... Ne pas de qua... I love you, I love you too... Te amo, Tambien te amo. Enquanto isso, ninguém trabalha.
Ao invés de ser uma salvação, os emails estão se tornando um transtorno na comunicação moderna, atravancando a economia. Silenciosos e rápidos, eles podem ser enviados de qualquer computador, a qualquer momento e lugar, sem deixar rastros e provas do crime. Ao invés de cuidar das funções para as quais está sendo pago, o funcionário educado está agradecendo agradecimentos recebidos, numa disputa à ponta de espada sobre quem está mais grato ou grata. Enquanto isso, ninguém atende o telefone nas empresas e repartições públicas.
Se voltarmos um pouco mais no tempo, havia outrora o prato emprestado. Prato aqui é genérico para qualquer objeto em que se possa colocar alimentos. A vizinha pedia emprestado algum utensílio culinário, prática muito comum naqueles idos, e era falta de educação devolvê-lo vazio. Devolvia-o pois com um quitute ou iguaria, geralmente um doce. Encerrava-se assim educadamente a transação? Absolutamente!
Ao receber de volta o objeto que emprestou, devidamente recheado com alguma oferenda, a emprestante se via na obrigação de retribuir a gentileza exibindo também seus dotes culinários – mesmo que mandasse a assistente culinária preparar. Sendo que a gentileza viajava em outro prato, a primeira vizinha devia devolvê-lo com outra iguaria para retribuir o delicado gesto... E por aí seguia o ritual, nenhuma das duas sabendo quando e como parar...
Hoje já nada se pede emprestado, nem mesmo se conhece os vizinhos. Já ninguém conversa nos elevadores, todos ocupados em checar ou enviar suas mensagens de texto. Mas a gentileza de retribuir o agradecimento continua tomando nosso tempo, esticando-se indefinidamente. Começar é fácil, difícil é saber quando encerrar, seja lá o que for. Ao acessar o computador e enviar um email, você sabe muito bem como o iniciar e o que vai escrever...difícil é pôr o ponto final.
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