Quarta, 24 Abril 2024

O que é ser homem?

“A filosofia representará o esforço da razão em compreender o mundo e orientar a ação”. 


É com esse espírito que tenho trabalhado com meus alunos durante esse mês o documentário “O silêncio dos homens”, proveniente do site Papo de Homem do Instituto PdH – Pesquisa & Desenvolvimento em Florescimento Humano. Um trabalho fantástico, fruto de uma pesquisa que atingiu mais de 47 mil pessoas e que trata de masculinidades.


Por ser a minha escola de um público adulto, muito específico e preponderantemente machista, o trabalho foi riquíssimo, estabeleceu-se um confronto e foi possível extrair conhecimentos e experiências muito interessantes. 


O trabalho se deu da seguinte forma: os alunos assistiram junto com os professores o documentário, fazendo anotações, em seguida foi realizado um debate com impressões, identificações, afetações e opiniões, para então produzirem um relatório da atividade expressando o quanto cada um se sentiu afetado. 


Deu muito trabalho, mas foi possível melhorar a compreensão do que é ser homem, da necessidade de romper com práticas ancestrais de produções de masculinidades machistas e misóginas, da necessidade de compreensão do homem para além dos estereótipos no que se chamou de três Ps (protetor, provedor e procriador), para a necessidade do homem se permitir sentimentos, emoções e, principalmente, se estabelecer como um ser igual na relação social com as mulheres e com os outros homens.


A realidade é que o homem vive imprensado entre seu ser interior e o papel que a sociedade exige dele: sem poder falhar, sempre vitorioso, numa construção, a partir da infância, em que lhe é imposto que chorar é coisa de menina (ser menina não é coisa boa, é ser inferior), que é ele o responsável pelo sustento e proteção de sua família (novamente colocando a mulher numa condição de incapacidade e aumentando a exigência de suas capacidades) e que é preciso responder a esse desempenho a qualquer custo.


Diante dos desafios da vida, da falta de oportunidades, o homem, principalmente das classes sociais mais carentes, quando não consegue realizar esse papel se desespera, sente-se incapaz e fracassado, o que pode levá-lo ao desespero conduzindo-o ao crime, à violência e até ao suicídio (os homens se suicidam quatro vezes mais que as mulheres).


Naturalmente, toda essa construção não se desfaz de uma hora para outra, mas exige um trabalho lento e gradual, dirigido principalmente à infância, realizado prioritariamente pelos homens pais, a partir de sua conscientização daquilo que o oprime, que ele reconheça que efetivamente não deu certo em sua criação, para não replicar o comportamento de seus pais em seus filhos e poder quebrar essa corrente opressora pessoal e social. Poder se permitir “ser”, com todas as possibilidades que isso significa em termos de relacionamento com o mundo, com as pessoas e consigo mesmo.


O documentário apresenta como estratégia para essa desconstrução a criação de grupos de discussões sobre masculinidades, no questionamento filosófico de: O que é ser homem? Apresentando grandes resultados no sentido da melhoria nas relações e compreensão de seu ser no mundo ou Dasein, de Martin Heidegguer (o homem, não enquanto universal, mas cada homem singular).


A experiência pedagógica enriqueceu a compreensão da filosofia, em seu papel de contribuir na compreensão do mundo e orientar a ação, muito mais que a simples “entrega” de conteúdos e aferição de suas apreensões, além de horizontalizar a educação na visão mais freireana, uma vez que os alunos puderam contribuir, em muito, na elaboração do conhecimento.




Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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