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O Telegram e a prisão de Durov

Moderação limitada favoreceu propagação de conteúdos ilícitos

Pavel Durov foi detido na França em agosto de 2024, e depois foi colocado sob investigação na questão das atividades ilegais envolvendo o Telegram, do qual continua a ser o CEO.  Dentre uma série de irregularidades, uma das acusações é a de que Durov não agiu contra a divulgação de conteúdo criminoso na plataforma. Contudo, mesmo investigado, teve permissão para deixar a França em março deste ano e retornou a Dubai, sede do Telegram.

Durov argumentou que o Telegram segue os padrões da indústria e cumpre as leis da União Europeia (UE). O CEO, além dos problemas legais, também enfrenta questões familiares, que envolvem tanto acusações de agressão como não pagamento de pensão alimentícia. Além disso, ele divulgou um projeto de ter centenas de filhos por fertilização in vitro, com doação de esperma, e chegou a afirmar que é pai de mais de 100 pessoas, de fertilizações feitas nos últimos 15 anos. Por sua vez, o Telegram se tornou lucrativo a partir de 2024, atingindo US$ 1 bilhão em receita.

Durov possui vários passaportes e tem várias residências, com uma fortuna em torno de US$ 9,15 bilhões, vivendo uma vida ao largo de governos, sem fronteiras, já por uma década. Diante das autoridades francesas, disse que a sensação era a de estar sendo interrogado para responder a uma curiosidade provinciana, pueril, como se o Telegram representasse um tipo de mistério.

No que ele respondeu: “Nós somos uma grande empresa, auditada por uma das Big Four, trabalhamos com as maiores instituições financeiras, gastamos milhões de dólares a cada trimestre com conformidade legal, para garantir que não violamos leis em lugar nenhum e paramos em quase 200 países”. Ao que acrescentou: “Então foi muito confuso para mim ser detido em Paris e ouvir que o Telegram fez algo errado ou deixou de processar alguns pedidos”.

Durov foi acusado pelas autoridades francesas por ser cúmplice em atividades criminosas, uma vez que a moderação limitada do Telegram favoreceu a disseminação de conteúdos ilícitos, ainda incluindo acusações como associação criminosa, lavagem de dinheiro, além de ofertas de serviços cripto sem declaração adequada.

Por sua vez, mais de 9 milhões de usuários do Telegram assinaram uma carta pela libertação de Durov. Isso em meio a declarações em que ele dizia que o Telegram iria deixar países que não se alinhassem com o compromisso da plataforma com a liberdade de expressão. Tal orientação fez com que o aplicativo de mensagens se tornasse um dos maiores do mundo, alcançando um bilhão de usuários ativos mensais.

Pavel Durov tem um perfil que muitos podem associar com outros CEOs, e com uma imagem ambígua em relação ao Kremlin, entre defensor da liberdade de expressão e fantoche do governo russo, além de ser um prodígio na programação e um empreendedor bilionário.

E os problemas legais do Telegram, advindos de uma criptografia de ponta a ponta, para manter a segurança e sigilo das comunicações entre os usuários da plataforma, atingem as preocupações de segurança de diversos governos da União Europeia, numa campanha contra a falta de moderação de conteúdos nocivos e criminosos no Telegram.

Pavel Durov nasceu na União Soviética, em 1984, se mudando para a Itália aos 4 anos, e depois do fim da União Soviética, voltou para a Rússia com a família, sendo que ele e seu irmão mais velho logo despontaram como jovens prodígios da matemática, com o irmão mais velho indo para a TV resolver problemas matemáticos e chegando a ganhar repetidas medalhas de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática. Com Durov, por sua vez, já sendo o melhor aluno de sua escola e competindo localmente.

Durov ganhou um computador IBM PC XT que a família trouxe da Itália, isso logo quando eles retornaram à Rùssia, o que significava que no início dos anos 1990, eles eram uma das poucas famílias na Rússia que começavam a aprender a programar. Ele então acabou fundando um site de mídia social, o Vkontakte (VK), em 2006, com 21 anos de idade, quando tinha acabado de sair da universidade. Tal site virou logo uma espécie de Facebook russo, como uma resposta do país a Mark Zuckerberg.

Contudo, logo se estabeleceu uma relação hostil entre Durov e o Kremlin, quando o VK passou a seu usado para a organização de protestos em Kiev contra Viktor Yanukovich, em 2013, então presidente da Ucrânia na época e que era pró-Rússia. A crise se instaurou quando o VK se recusou a entregar dados privados de usuários ucranianos ao Kremlin. Tal decisão levou a renúncia de Durov do cargo de CEO da empresa e essa passou para as mãos de pessoas alinhadas com o presidente russo Vladimir Putin. Durov então vendeu as suas ações e deixou a Rússia. E o VK, por sua vez, acabou passando para controle estatal.

Durov escolheu criar o seu próprio aplicativo de mensagens, mesmo diante de um mercado já saturado de opções, no que surgiu o Telegram, com sede em Dubai. A plataforma acabou sendo bem sucedida ao atrair usuários interessados na forte criptografia de ponta a ponta do Telegram, com garantia de privacidade, portanto, e também incluindo usuários que praticavam crimes, como o plano de ataques terroristas de Paris em novembro de 2015.

Durov, depois desses ataques, teve que fazer uma campanha midiática para convencer o público de que o Telegram não se tratava de uma espécie de WhatsApp dos terroristas. Ele defendia que o Telegram era o aplicativo de mensagens mais seguro do mercado, e fazer concessões para governos implicaria, portanto, romper com o compromisso da plataforma com a privacidade. Tal recusa em mudar padrões de criptografia e moderação de conteúdo, por fim, foram de encontro com interesses de governos em combater crimes cibernéticos.

(continua)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: poesiaeconhecimento.blogspot.com

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