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O Telegram e a prisão de Durov – II

Durov foi acusado por problemas no aplicativo

Depois que o governo russo tentou banir o Telegram em 2018, em face da recusa de Durov de fornecer a descriptografia para os serviços de segurança do país, ao passo que ele tentou desafiar essa exclusão, ao invés de um conflito sem volta, o banimento do aplicativo acabou suspenso em 2020. E a situação virou, ao se ver hoje, que o Telegram é uma das poucas plataformas estrangeiras (sua sede fica em Dubai, nos Emirados Árabes) que opera livremente na Rússia e, mais ainda, sem ter feito qualquer concessão ao Kremlin, apesar de Durov afirmar que deixou o país após a briga de 2010.

Com essa prisão recente de Durov, por sua vez, o Kremlin trabalhou rapidamente em nome do CEO, com a Embaixada da Rússia em Paris indo atrás de soluções.  A detenção na França foi motivada, por conseguinte, pela falta de moderação de conteúdo da plataforma Telegram, com questões que perturbavam outros governos ocidentais, como lavagem de dinheiro, pedofilia e tráfico de drogas e de pessoas. O Telegram alegou que seria absurdo que a plataforma ou seu proprietário fosse responsabilizado pelos abusos de usuários e disse que obedece às leis da União Europeia (UE) e que Durov não tinha nada a esconder.

O debate sobre a relação do executivo de tecnologia e o comportamento dos usuários da plataforma de mensagens, então, foi iniciado no momento em que as autoridades legais responsabilizaram pessoalmente Durov pelos problemas do Telegram, como a cumplicidade de sua gestão com transações ilegais dentro do aplicativo, permitindo a distribuição de material de abuso sexual infantil, tráfico de drogas, fraude e, por fim, a recusa de colaboração do CEO com a aplicação da lei.

Na França a situação se agravou devido ao Telegram se destacar em vários casos de crimes no país, os quais envolviam abuso sexual infantil, crimes de ódio na internet e tráfico de drogas, com a ausência da gestão da plataforma para respostas aos pedidos de cooperação por parte de promotores. Tal problema foi relatado tanto pelos promotores franceses como por autoridades legais da Bélgica e de outros países da Europa. Diante dessa ausência de respostas, se abriu uma investigação sobre a responsabilidade criminal dos executivos do Telegram, com a prisão de Durov se tornando foco de um debate sobre a liberdade de expressão na internet.

Durov tem cidadania na França e nos Emirados Árabes, segundo informação do Telegram. A plataforma entrou nas investigações das autoridades a partir do conhecimento de comunicações feitas por traficantes de drogas e de armas, organizações terroristas, grupos de extrema direita com discursos de ódio, implicando em recrutamento de pessoas para várias dessas atividades.

Especificamente, o Telegram passou a funcionar como um tipo de loja com todo tipo de mercadoria ilegal, tais como cartões de crédito clonado para venda, incluindo vídeos em que criminosos drenam caixas eletrônicos usando cartões falsos e mostram maços de dinheiro, vendas de bolinhos e cookies de maconha, além de vapes ilegais, e no quesito drogas, tudo quanto é substância, com canais no Telegram para venda, e também venda de armas e medicamentos restritos sem prescrição, tendo vouchers e cartões-presente falsos para AirBnB, Marriott Hotels, Amazon, Apple, Walmart etc. Por fim, ainda tem venda de tutoriais para hackers, malwares, passaportes roubados e etc.

Foi a partir destes canais de vendas de artigos ilegais que o Telegram virou uma espécie de dark web de bolso, nomenclatura que vem da dark web que dependia de uso de softwares específicos para o seu acesso e um conhecimento técnico para seu uso, no que tivemos dentro desta web oculta plataformas como a Silk Road, em 2011, dando seguimento a uma série de sites com vendas de mercadorias e serviços ilegais. Por sua vez, com a facilidade de manuseio e acesso, o Telegram se tornou popular para criminosos atraírem clientes.

A dark web tem a vantagem de manter o anonimato dos usuários, pois seu tráfego de internet é redirecionado pelo mundo, ocultando a localização dessas pessoas e dificultando a identificação de quem está por trás dos nomes de usuários. O Telegram, por ser mais fácil de usar, se tornou popular para criminosos cibernéticos menos habilidosos e com menor conhecimento de informática.

Apesar de afirmar que sua moderação está nos padrões de outras plataformas, o Telegram não é membro do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC), dos EUA, nem da Internet Watch Foundation (IWF), que trabalham na remoção desses materiais criminosos na internet. O aplicativo é acusado de não combater o material de abuso sexual infantil, o que foi umas das acusações principais dos promotores franceses.

Dentre outros problemas apontados, também está o fato de o Telegram ter virado o principal foco de atividade online do Estado Islâmico já por uma década. Em relação aos recursos de privacidade o argumento usado é o de que tais aplicativos, e aí incluindo também WhatsApp e Signal, por exemplo, não possuem dados para repassar para as autoridades. O Telegram usa a chamada criptografia de ponta a ponta, contudo, tal função não é configurada como padrão na plataforma, e os canais ilícitos que atuam nesta nem sempre estão configurados como secretos.

A organização de direitos digitais Access Now afirma que está acompanhando os acontecimentos, e mesmo sendo um grupo que defende uma “internet livre”, aponta que o Telegram “não é um modelo de responsabilidade corporativa”. No entanto, a Access Now alerta que “a detenção de funcionários de plataformas que as pessoas usam para exercer seus direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica, sem uma demonstrável conformidade com os princípios dos direitos humanos, pode resultar em censura excessiva e pode reduzir ainda mais os espaços cívicos”.

(continua)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: poesiaeconhecimento.blogspot.com

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