Quinta, 25 Abril 2024

O trem atrasou

 

Bibiana chega na estação e nada de trem. Paciência, não era a primeira vez, por certo não será a última. Manhã cedo ainda, senta no banco da plataforma vazia, pega o livro na bolsa e abre na página marcada com um recibo de lanchonete. Antigo. Sim, começou a ler o livro na viagem de vinda, vai terminar na viagem de volta. Quanto tempo se passou da página 125 para a página 126? Uma eternidade.
 
Por excesso de tempo disponível olha a nota de compra sem muita curiosidade de saber quando fez a viagem de vinda. Por um acaso do destino, ou por mera coincidência, é o mesmo dia, um ano antes. Então era aniversário e não lembrou. No livro não lido nada mudou nesse ano que transcorreu entre a viagem de vinda e a de volta. As vidas nele contidas ficaram paradas no tempo, esperando que a leitora prossiga a leitura e lhes permita morrer ou viver na última página.
 
Felizes ou infelizes, só saberá ao término da viagem de volta. Quanto à sua aventura, porém, entre a ida e a volta, o final é melancólico, como todo final de tudo na vida. Bibiana olha o relógio, Que estranho, o trem atrasado e ninguém mais esperando... Provavelmente os futuros viajantes sabiam do atraso, só ela esperando na estação. Podia ser uma viagem de avião, voltaria ao passado mais depressa e sem tempo de terminar o livro, mas não existem viagens rápidas entre o começo e o fim de um relacionamento.
 
O homem da estação se aproxima e pergunta para onde vai, visto que o próximo trem só passa amanhã cedo. Como só passa amanhã cedo? Cheguei aqui com antecedência de meia hora, e o trem de hoje ainda não passou. Ah,meu Deus, isso sempre acontece. Começa ou termina o horário de verão ou de inverno, e as pessoas esquecem, ou não veem na televisão, ou não são informadas. Acerte o relógio e volte amanhã, moça.
 
O homem volta a seus afazeres, veio só informar, e Bibiana nem tem voz para agradecer a gentileza. Como assim, trem só amanhã? O que vai fazer da vida nessas 24, bem, 23 horas em que não passam trens nem ônibus nem aviões, onde não tem hotel nem pousada nem ponte pra se esconder em baixo? Voltar pra casa não pode, porque não tem mais casa. Ir pra casa de amigos não pode, porque não tem amigos. Dormir no banco da estação? Ir a pé?
 
Continua sentada, volta ao livro onde a heroína enfrenta também suas dúvidas, vai ou fica, mas suas opções são opostas às de Bibiana. Tem gente que dá mais sorte, inda que na ficção - o final é sempre feliz ou ninguém compra o livro. O homem da estação volta: Liguei pro seu marido, ele está vindo buscá-la. Bibiana se levanta, se ajeita, junta a bagagem e deixa a estação, prefere esperar do lado de fora. Deixa o livro no banco, talvez algum passageiro queira terminar a leitura.
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