Assim que as denúncias de corrupção envolvendo Paulo Hartung vieram à tona, o ex-governador usou as armas que tinha em mãos para neutralizá-las. A primeira estratégia foi apostar que os escândalos ficariam restritos a Século Diário. Em seguida, era só criminalizar o jornal, como fez nos seus oito anos de governo, e classificar os fatos noticiados como “baixarias”, até que os escândalos morressem.
Não funcionou. A gravidade das denúncias despertou interesse na imprensa nacional (O Globo e Congresso em Foco entre outros), que noticiou o caso da “mansão secreta” de Pedra Azul — propriedade omitida pelo candidato da declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral. A repercussão da notícia obrigou a mídia local a entrar (mesmo que superficialmente) no caso.
Além da mansão nas montanhas capixabas, Hartung já protagonizava outros escândalos. Primeiro foi o caso das viagens aéreas da ex-primeira-dama Cristina Gomes, que usou dinheiro público para fazer turismo; depois foram desveladas as operações suspeitas da consultoria Éconos, que faturou em três anos cerca de R$ 6 milhões de empresas que mantinham relação estreita com o governo; no meio do caminho, um escândalo recorrente voltou à tona, continuava no ar o mistério sobre o paradeiro dos R$ 25 milhões enterrados na obra fantasma do posto fiscal de Mimoso do Sul; as denúncias chegaram ao ápice com a “mansão secreta” de Pedra Azul; e, mais recentemente, ganharam novo fôlego com a revelação dos 31 imóveis que Hartung herdou do pai, mas que ele transferiu para uma empresa cujos sócios são seus próprios familiares: mãe, irmão, mulher e filhos.
Nesse domingo (28), durante ato de campanha em Camburi, Vitória, ainda tentando represar a enxurrada de denúncias, Hartung reivindicou para si o papel de vítima. Sem citar o nome do jornal, Hartung fazia menção à reportagem publicada nesse sábado (28) em Século Diário, que discrimina um a um os 31 imóveis do espólio da herança. Os imóveis, estimados em R$ 36 milhões, não aparecem na declaração de bens entregue pelo candidato ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES). Aliás, Hartung declarou à Justiça Eleitoral que tem apenas um imóvel. Somado às aplicações financeiras, o patrimônio declarado do candidato não chega a um milhão de reais.
O ex-governador desabafou ao jornal A Gazeta: “Agora, foram mexer até na vida da minha mãe, uma senhora de 82 anos. É uma invasão de privacidade, um absurdo”. Mas à frente ele incluiu Século Diário no hall do que ele chama de “veículos inescrupulosos de comunicação”.
Antes de lançar mão do jogo emocional, e tentar transformar fatos em “baixaria”, Hartung precisa assumir que ele é o único responsável pela exposição da família dele. Foi ele quem usou especialmente a mulher, além da mãe, do irmão e até os filhos, para esconder seu patrimônio.
Valendo-se do discurso de vítima, ele diz sem corar que a mansão nas montanhas foi declarada. “Nossa casa em Pedra Azul está na nossa declaração de bens”. Mais uma vez ele compromete a mulher, justificando que o bem está na declaração dela, para se safar da omissão.
Vamos repetir o que o secretário judiciário do TRE-ES, José Maria Miguel Feu Rosa Filho, disse sobre a ocultação de bens à Justiça Eleitoral. “A compreensão que se tem é que o candidato deve esclarecer a justiça eleitoral e aos eleitores quais são os bens que ele possui naquele dia que ele está pedindo o registro de candidatura. Um carro, meio terreno, um apartamento inteiro, ou seja, todos os bens que ele tem. Ser o mais fidedigno e o mais ético possível para não gerar dúvida a respeito do patrimônio do candidato”.
As manobras de Paulo Hartung foram todas premeditadas, portanto, nem pega bem tentar fazer o papel de vítima. Quem jogou a família na lama foi ele mesmo.
A responsabilidade de misturar o público com o privado foi exclusivamente dele. Foi Hartung que autorizou a emissão das passagens para a mulher viajar nos fins de semana em compromissos particulares; foi ele quem articulou a aproximação com as empresas que “contrataram” os serviços de consultoria da Éconos, antes mesmo de ele fazer parte formalmente da sociedade; foi ideia dele não incluir a mansão de Pedra Azul na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, assim como foi ele quem planejou a criação de uma empresa para administrar os bens do espólio do pai, que também não aparecem na declaração, mesmo sabendo que ele possui a metade das quotas da mulher na sociedade, pois é casado em comunhão parcial de bens.
Os familiares de Hartung estão sendo vítimas de uma manobra criada por ele mesmo. Para salvar sua pele, Hartung não pensa duas vezes. Quem está há algum tempo na vida política já viu esse filme. Só que desta vez ele foi longe demais. Ninguém esperava que ele fosse capaz de usar a própria família em suas maracutaias.