Terça, 14 Mai 2024

Os anos mais loucos do século XXI

Uma das maiores surpresas das recentes manifestações populares foi a desenvoltura da chamada mídia ninja, formada por jovens equipados com celulares que transmitem áudio e vídeo on line, gerando uma formidável anarquia informacional.
 
 
Ao contrário do que se pensou e se difundiu, essa rapaziada não opera solta no espaço. Ela tem comando, embora desfrute de uma autonomia rara na mídia convencional.
 
 
Só isso já bastou para transformar esses jovens repórteres-manifestantes em protagonistas centrais dos acontecimentos que marcaram  2013 como o ano mais louco do século XXI.
 
 
Dois cabeças do movimento, Pablo Capilé e Bruno Torturra, deram um depoimento extraordinário ao programa Roda Viva da última segunda-feira, dia 5. Com nomes que lembram codinomes, esses rapazes demonstraram possuir uma rara capacidade de argumentação, tanto que conseguiram escapar ilesos à maior parte dos questionamentos feitos por uma bancada de experientes perguntadores. Sua articulação tem raízes no movimento estudantil, mas eles têm algo que os diferencia da maior parte dos jovens de hoje – ou muito dependentes dos pais ou completamente descolados das bases familiares.
 
 
Embora a palavra ninja lembre automaticamente os lutadores encapuzados do Japão, no Brasil de 2013 NINJA é uma sigla: Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. E por aí vamos com ousadia e criatividade.
 
 
Nada a ver, portanto, com siglas emergentes como CQC e Pânico na TV, que fazem arremedos de jornalismo temperados por um humor irresponsavelmente corrosivo.
 
 
Segundo o depoimento de Capilé e Torturra, a base do movimento da Ninja começou a se formar há dez anos graças a jovens músicos sem vez no mundo do show business. Eles procuraram cavar espaços independentes da superestrutura que domina a TV, as gravadoras e à qual está atrelada a máquina publicitária.
 
 
Sobreviveram e cresceram, conseguindo estabelecer um circuito alternativo de festivais e shows durante os quais também rolam debates e seminários que discutem os problemas dos pobres e oprimidos pelo sistema. Em alguns casos, eles contam com patrocínios públicos, que não representam nem 10% de sua arrecadação.
 
 
Hoje há dois mil jovens ativistas que vivem em comunidades de até 30 pessoas que trabalham para se sustentar individual e coletivamente. O custo mensal de cada ativista é R$ 900. Um sucesso: até quando? Qual sua real motivação? Quais seus objetivos? Querem ser absorvidos pelo sistema? Ou desejam transformá-lo? O sistema e o governo são a mesma coisa?
 
 
Sua luta lembra a época da ditadura militar, quando muitos jovens e alguns veteranos se uniram para editar jornais alternativos, formar cooperativas de jornalistas, grupos de teatro e cinema. Os mais radicais caíram na clandestinidade e formaram grupos armados que acabaram sendo destruídos pelo regime militar. Até hoje se faz o rescaldo desse período. Aí está a Comissão da Verdade lutando para reunir depoimentos, documentos e provas de violações de direitos humanos em cadeias civis e dependências militares.
 
 
Sem patrimônio nem estrutura física, como acontece com a mídia convencional, a mídia ninja é engajada no ativismo dos direitos civis, políticos e econômicos. “Jornalismo pós-industrial”, falou Capilé, tentando explicar o fenômeno sem precedentes à vista na  moderna história brasileira.  
 
 
Seu grande diferencial, além do baixo custo operacional e do voluntarismo, é a habilidade no uso de ferramentas eletrônicas que, além de revolucionar a comunicação interpessoal, estão provocando mudanças profundas na relação da mídia tradicional com seus leitores, ouvintes e telespectadores.
 
 
O celular está para essa mídia revolucionária como o microfone móvel esteve para o rádio e a câmera ambulante para a TV. É lógico concluir que, daqui a algum tempo, todas as novas ferramentas estarão dominadas pelos trabalhadores da mídia convencional. Será a banalização de uma nova tecnologia de comunicação.
 
 
A pergunta que fica é até que ponto a mídia convencional ancorada na iniciativa privada terá interesse em operar como correia de transmissão de impulsos originários da base sociedade?
 
 
Até onde se sabe pelos relatos da História, os interesses que movem a iniciativa privada estão longe demais do interesse público.   
 
 
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Nos corredores da história, o grito dos ricos ecoa mais alto que o gemido dos pobres”
 
HENRY THOMAS, historiador inglês, em A História da Raça Humana, de 1938    

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