Nos próximos 15 anos será necessário investir US$ 267 bilhões por ano para erradicar a fome no mundo. Isso significa US$ 160 anuais por pessoa faminta.
É o que diz relatório da FAO apresentado à III Conferência das Nações Unidas sobre Financiamento do Desenvolvimento, em Addis Abeba (Etiópia), lá onde andou, dias atrás, cercado de holofotes, de agentes de segurança e de jornalistas, o presidente americano Obama.
É tanto dinheiro necessário a um ideal de justiça social que a mídia convencional nem se preocupou em entrar em detalhes. O assunto dominante era a raiz africana de Obama, o presidente da nação mais poderosa do mundo.
Por vício da cobertura jornalística focada no poder, ficamos atentos às firulas da estrela maior da América, com suas lantejoulas ofuscando completamente as carências das massas desnutridas da mãe África e dos outros continentes.
Ora, quem tem paciência e tempo para os pobres? Só o Papa Francisco e olhe lá. Quanto a dispor de dinheiro, bem, vai-se levando o assunto com a barriga. A barriga cheia, claro.
É bastante claro pelo comportamento da mídia que os países ricos e os medianamente abonados não estão nem aí para as necessidades dos famintos do mundo, estimados em quase dois bilhões de indivíduos. Os US$ 160 anuais por faminto representam, na realidade, pouco menos de meio dólar por dia. É uma esmolinha, uma merreca. O problema é que são quase dois bilhões de pessoas. Pior, junto com a fome moram a desnutrição, doenças, a falta de higiene, de saneamento básico, de habitação adequada e de meios para ir à escola e ao trabalho. É o maior problema do mundo, junto com o desmanche da Natureza, o que se reflete nas mudanças climáticas.
Resta o consolo de que o relatório da FAO segue as linhas básicas do modelo brasileiro de combate à fome implantado e aperfeiçoado nos últimos 20 anos. Não é por acaso que a diretoria geral da FAO é ocupada pelo agrônomo brasileiro José Graziano da Silva, o idealizador do programa Fome Zero, institucionalizado no Bolsa-Família.
Ao buscar dar proteção social às populações mais pobres e vulneráveis, esse tipo de política social deve ser encarado não como despesa, mas como investimento: ao prover algum poder aquisitivo aos mais pobres, vinculando a ajuda financeira à presença das crianças na escola, induz as pessoas a pensar que a única forma de resgate da miséria passa pela educação. Em sã consciência, não existe outra saída.
Além de manter o programa Bolsa Família, o Brasil vem dando outro exemplo de política social ao proteger a agricultura familiar. Com amplos programas de compras para a merenda escolar e incentivos creditícios à produção de alimentos, garante-se assim a sustentabilidade da população residente no campo e boa parte do abastecimento dos habitantes das cidades.
Apesar de aparentemente bem amparada por uma política de juros subsidiados, a agricultura familiar opera num ambiente de extrema carência.
Segundo recente relatório da FAO, a pobreza na zona rural brasileira é mais do que o dobro da pobreza nas áreas urbanas, onde se encontram 85% da população.
O fenômeno da pobreza rural é menos visível porque está espalhado em vastas áreas só frequentadas pelos profissionais vinculados às atividades agrícolas.
Lá se trabalha para matar a própria fome e a dos outros, possam ou não pagar pelo que precisam comer.
A agricultura familiar é o elo mais primitivo da história da luta pela sobrevivência humana.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O colonialismo promoveu pelo mundo uma certa forma de progresso, mas sempre a serviço dos seus lucros exclusivos, ou quando muito associado a um pequeno número de nacionais privilegiados que se desinteressavam pelo futuro da nacionalidade…”
Josué de Castro em Geografia da Fome, livro de 1946