A alternativa possível após anista “afundar”
Após uma ampla campanha pela anistia geral e irrestrita para os crimes dos envolvidos nos atos antidemocráticos, em Brasília, nos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, o Projeto de Lei (PL) da Dosimetria acaba de ser aprovado tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, sem deixar a controvérsia e a polêmica de lado, e ainda com precedentes possíveis como o veto do presidente Lula, o retorno da pauta para o Congresso e a decisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A defesa obsessiva pela anistia foi feita pela oposição ao governo Lula, sobretudo as hostes do bolsonarismo, em especial o Partido Liberal (PL), último a abrigar Jair Bolsonaro, para onde este foi em 2021, após se eleger presidente da República pelo PSL e ter falhado na criação de seu próprio partido, o Aliança Pelo Brasil, passando um período sem partido.
Como a anistia derreteu como pauta viável e o tempo foi se estreitando em relação às condenações, o PL da Dosimetria se tornou a alternativa, que inclui a redução do cálculo das penas dos envolvidos na famigerada balbúrdia golpista, projeto de lei que determina condições e porcentagens mínimas para o cumprimento da pena e para a progressão do regime.
O fato é que Bolsonaro deu o aval para o seguimento do texto de redução das penas, após a questão da anistia ter praticamente saído de pauta, ao passo que o julgamento final dos núcleos políticos e militares do grupo responsável pela tentativa de golpe, no caso do Punhal Verde e Amarelo, tem se consumado, dando a deixa para uma mudança de rota estratégica para que não se perca ao menos este regateio, caracterizando o desespero de uma sucessão de ideias e ações que falharam desde a contestação eleitoral até o golpismo frustrado.
O PL da Dosimetria altera pontos do Código Penal e da Lei de Execução Penal. Na Câmara, o relator do texto foi o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), ao passo que, no Senado, foi Espiridião Amin (PP-SC). Após uma discussão sobre a distorção do texto vindo da Câmara, que incluía crimes comuns na redução de penas, sendo até considerado um contraponto ao projeto recente batizado de antifacção, o questionamento passou por se tratar de um projeto de lei original destinado a abater a punição somente daqueles envolvidos na trama golpista, criando uma tensão entre Câmara e Senado.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Otto Alencar (PP-BA), aventou a possibilidade de barrar o texto, caso este não se restringisse aos casos do 8 de janeiro, questionando o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), sobre a tramitação do projeto de lei, e cobrando uma análise rigorosa dos senadores. Acabou que a CCJ aprovou o parecer do senador Espiridião Amin por 17 votos a sete, favorável ao projeto de lei da dosimetria.
A CCJ acatou o projeto após uma emenda que determina que o PL da Dosimetria seja aplicado apenas aos condenados do 8 de janeiro, não alterando o mérito do texto aprovado pela Câmara, apenas esclarecendo sua intenção original, e frustrando movimentos para o adiamento da análise do projeto, em que senadores do PT tentaram aprovar três tipos de requerimentos diferentes, com a intenção de jogar a proposta para 2026, em que foram todos derrotados.
A saída encontrada pelas cúpulas da Câmara e do Senado, por seus líderes partidários, para responder à pressão de bolsonaristas pela anistia, acabou sendo o PL da Dosimetria. Embora Lula tenha declarado que vetará o projeto, circulou a acusação, por parte de parlamentares governistas e de oposição, de que lideranças do Planalto decidiram recuar do embate contra o PL da Dosimetria, para permitir que a proposta de redução de benefícios tributários, de interesse do governo, avançasse.
O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2162/2023, o PL da Dosimetria, por 48 votos favoráveis e 25 contrários, e o texto segue para sanção ou veto presidencial. Depois de sua aprovação na CCJ, a polêmica se instalou após o senador Renan Calheiros (MDB-AL) relatar que o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA), ter feito um acordo que permitiria o avanço da tramitação do PL na comissão, como um meio de troca para destravar a pauta econômica do governo no Senado, que incluiu a votação de pacote fiscal com a taxação de casas de apostas online (bets), fintechs, juros sobre capital próprio e, por fim, o Orçamento de 2026.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) afirmou que houve um grande acordo envolvendo o ministro do STF, Alexandre de Moraes, o governo federal e setores da oposição, para viabilizar o texto do PL da Dosimetria, durante a votação na CCJ, criando mais um desgaste político em torno do projeto.
Contudo, o presidente Lula já afirmou que vetará o texto, pois considera como algo inconveniente e que afronta o Judiciário, ao reduzir penas para golpistas. Se o PL for vetado pelo presidente da República, a oposição já planeja derrubar o veto no Congresso e recorrer ao STF para definir sua constitucionalidade.
No caso do Supremo, não haverá obstáculos ao PL da Dosimetria, pois ministros da Corte já indicaram que a leitura de eventual questionamento ao projeto não teria sucesso, uma vez que o entendimento é que a definição das penas se trata de uma das atribuições do Congresso, embora não se trate de uma posição consensual entre os ministros.
O fato é que magistrados, após a aprovação na Câmara, já sinalizavam que o texto tinha sido produzido após longo debate entre os poderes, não representando, portanto, um atropelo sobre prerrogativas da Corte Suprema.
O PL da Dosimetria foi a alternativa possível depois que a pauta da anistia finalmente afundou, o que frustrou a expectativa de bolsonaristas. Mesmo com o projeto de redução das penas tendo aval do próprio Jair Bolsonaro, ainda houve um gesto desastrado e ineficaz do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que chegou a dizer que um perdão ao pai era o seu preço para retirar a sua pré-candidatura à Presidência, desagradando o “centrão”.
Depois de falhar na tese acovardada da anistia, o bolsonarismo agora se escora na dosimetria como a anistia possível ou uma forma amortecida do que poderia ser a impunidade como a ideia estapafúrdia de um indulto institucional generalizado da democracia para aqueles que tentaram usurpá-la.
A dosimetria, tirando as distorções evidentes para alguns casos, também facilita e praticamente se faz indulgente, como quando tomamos o exemplo do próprio Jair Bolsonaro, que, ao invés de condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a mais de 27 anos e 3 meses de prisão, a anistia disfarçada pode reduzir sua pena para 2 anos e 4 meses.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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