O risco de fuga era evidente
O bolsonarismo, mesmo que permaneça como base de um movimento de extrema direita recente do Brasil, está se ramificando, e este núcleo duro só resiste entre fanáticos que ainda entoam palavras de ordem em torno de um mito que está cada vez mais encalacrado. Tarcísio Freitas (Republicanos-SP) já se descola sutilmente da dependência direta de Jair Bolsonaro (PL), ainda que evite a armadilha em que caíram figuras como João Doria Jr. e Wilson Witzel, de ruptura com o bolsonarismo e o próprio Jair Bolsonaro, com o primeiro sendo fritado pelas hostes bolsonaristas, sobretudo da internet, e este último sendo vítima da própria bufonaria canhestra.
Bolsonaro se encontra em situação vexatória, depois de mais um plano furado, ao tentar soldar a tornozeleira eletrônica quando se encontrava em prisão domiciliar, indo para a prisão da Superintendência da Polícia Federal, após pedido de prisão feito pela mesma, por tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, e mandado expedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mais uma vez, veio um meme pronto em torno de um grupo político cada vez mais decadente.
Logo a seguir vieram a prisão dos generais do Exército Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, sendo preso também o ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, além de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, o general Braga Netto, e Alexandre Ramagem (PL-RJ) teve o mandado de prisão expedido e a inserção de seu nome como foragido pelo ministro Alexandre de Moraes, uma vez que o parlamentar deixou o Brasil e está atualmente nos Estados Unidos.
O clã Bolsonaro está fragmentado, pois repete o padrão do próprio bolsonarismo, que desde sempre foi uma cizânia e que produziu ciclos de dissidência durante a estadia no poder executivo, e agora também, depois de um golpe falhado e julgado pela Justiça. Temos pretensas nomenclaturas surgindo de dentro do DNA do clã como “Eduardismo” e “Michellismo”, contorcionismos do momento em que Jair Bolsonaro alega que estava alucinado, curioso, demente e etc, ao ser pego com a boca na botija, achando que o mundo é idiota.
A figura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) desponta como o único herdeiro viável, dentre os filhos, neste momento, enquanto Carlos Bolsonaro (PL-RJ) segue em seu papel de articulador desde o famigerado gabinete do ódio, volta e meia choramingando sobre o estado de saúde do pai, e Jair Renan, que está lá em Balneário Camboriú, sofrendo bullying e sendo jantado pela Câmara local como um neófito beócio que é. Eduardo Bolsonaro, o Bananinha, lá nos Estados Unidos, se encontra cada vez mais num mundo idiossincrático e decadente, sendo objeto de escárnio internacional e uma criatura falhada, vítima de um sonho numa noite de verão.
Enquanto o general Heleno alega demência e Jair Bolsonaro disse que teve um surto psicótico, a situação da extrema direita se fragmenta e está em mutação, em que pode se cogitar o enfraquecimento do bolsonarismo, ainda que com um núcleo duro fiel e de corte demográfico ainda relevante, diante de uma possível eleição presidencial saturada em relação à polarização, com um cenário que poderá retomar a viabilidade de candidaturas mais ao centro do espectro ideológico, já há muito combalido pela radicalização e pelo populismo atávico que sempre grassa em Pindorama e nos caudilhismos de ocasião nas vizinhanças.
Temos também um lulismo que, apesar das boas notícias da economia, superando estimativas para o ano em relação à inflação, PIB e emprego, ainda é questionado na tensão com o Congresso Nacional, e que também se torna problemático diante de um movimento de esquerda há muito capturado pela figura de Lula, que eclipsou o petismo e o próprio esquerdismo nacional, cujo último bastião para além do lulismo foi o brizolismo, pois Ciro Gomes sempre foi uma figura ambígua e instável, de um cirismo que derreteu e se desencontrou na História recente da política brasileira.
A cena montada por Flávio Bolsonaro com apoiadores de seu pai, diante da residência em que o mesmo estava em prisão domiciliar, não era uma vigília pela saúde dele, mas uma balbúrdia orquestrada em que Jair Bolsonaro, enquanto se dava o convescote de fanáticos, tentava de modo desastrado soldar a sua tornozeleira eletrônica, e o risco de fuga era evidente e iminente. Tudo deu no que deu, em mais um plano furado das trapalhadas tragicômicas do golpismo recente, que mistura assuntos graves, sérios e cruciais, com cenas grotescas de bufonaria canastrona, como uma gag de pastelão de uma quadrilha brancaleone. O bolsonarismo, em sua versão de fantasia rasgada, golpista, virou uma fábrica de memes para o deleite da internet.
O espólio está sendo disputado enquanto Jair Bolsonaro definha na Superintendência da Polícia Federal, de onde só sairá para a sua condenação final, de trânsito em julgado, para a Papuda. Os pretensos herdeiros se lançam a ver quem do clã será a figura principal, o conflito se arma e se desarma, e este mecanismo de cizânia, caos, cálculos desastrados, dissidências, golpismo e viralatismo, se prepara agora para o cenário que virá para 2026.
Esse espólio se mistura agora à carolice estudada de Michelle Bolsonaro, tentando capturar o eleitorado evangélico e feminino; um Eduardo Bolsonaro que parece um psicótico de guerra depois de ter tomado uma bomba na cabeça, falando sem parar em vídeos para a internet, lá dos Estados Unidos; e um Flávio Bolsonaro que, depois de atuar como parlamentar, sem ambições de ser o primeiro da fila na sucessão do clã, para o Poder Executivo, também vislumbra esta possibilidade agora, com um tino político mais incrustado nas manhas do sistema do que se for compará-lo com a ingenuidade comovente de Eduardo Bolsonaro ou a marra imaginária de um neófito viajante como Jair Renan.
O fim de uma era se aproxima, com Lula que disputa, provavelmente, a sua última eleição em 2026, com um Jair Bolsonaro preso na Papuda e com problemas de saúde, sendo torturado pelo próprio corpo, soluçando e vomitando, uma ironia do destino, depois de escarnecer do sofrimento de milhares de brasileiras e brasileiros durante o genocídio em que houve 700 mil óbitos de pessoas, com suas biografias e histórias, em que ele simulava falta de ar, falando que não era coveiro e etc.
Essa tragédia de uma pandemia distópica dominou o planeta durante mais de um ano e meio, sendo agravada por farsas negacionistas como Cloroquina, Ivermectina, vacina que faz virar jacaré, e uma CPI que terminou em pizza, com casos escabrosos de necropolítica que incluíram as licitações fraudadas de respiradores na carnificina que ocorreu em Manaus, tendo paralelo somente com a ocorrida em Bolonha, na Itália, ainda no início do surto do coronavírus.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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