Nos últimos anos, as políticas públicas para a educação no País e no Espírito Santo vêm sofrendo retrocessos. Basta considerar a longa trajetória de luta travada pelos movimentos sociais e acadêmicos pela garantia do direito à educação para todos, sem distinção de raça, gênero e classe social.
Em 2009, a Emenda Constitucional nº.59 garantiu a oferta obrigatória e gratuita da educação básica para toda a população de quatro a 17 anos de idade, mas as políticas adotadas pelo governo Paulo Hartung vêm na direção oposta, de forma a romper com uma caminhada de inclusão escolar que estava apenas no seu início.
Os dados educacionais do Espírito Santo são alarmantes. Cerca de 62 mil crianças e jovens da faixa etária que deveriam estar protegidos pela legislação estão fora da escola. Essa situação pode ser compreendida pela desresponsabilização do governo Hartung com a Educação. Desde o início da atual gestão, foram fechadas 6.230 turmas em todo o Estado, além de 41 escolas, a maioria do ensino médio.
A adoção da política de redução da oferta do direito à educação vem combinada com um projeto educacional para o ensino médio que expulsa da escola os estudantes capixabas das classes populares.
O modelo da Escola Viva foi trazido para o Estado pelas mãos dos empresários encastelados na organização “Espírito Santo em Ação”. Esses empresários acreditam que o espírito empresarial deve ser a ideologia e a prática desenvolvida pelas políticas públicas, sem se preocuparem com a formação de uma sociedade capixaba mais justa e melhor como anunciado. O projeto, no quadro geral da oferta escolar do Estado, não está focado na democratização da escola com vistas à promoção da justiça social.
Alguns pontos revelam a impossibilidade de um modelo como o da Escola Viva ser voltado para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e melhor.
O primeiro deles é que, considerando a educação capaz de interferir no campo das desigualdades e promover a igualdade social entre os indivíduos, o modelo da Escola Viva aprofunda as desigualdades, quando separa tipos de escolas com mais e melhores condições físicas e estruturais. A equipe gestora da Escola Viva é mais ampla, bem diferente das demais escolas que não possuem o projeto.
Outra questão é que, dentre as 280 escolas de ensino médio no Estado (em 2015, eram 291), apenas 32 são escolas vivas. Já a média do número de estudantes em uma Escola Viva é de 500 matrículas, enquanto as outras escolas que não adotam esse modelo possuem um número três vezes maior.
Sem deixar de reconhecer a relevância em adotar o tempo integral, a Escola Viva expulsa a maioria dos estudantes porque são trabalhadores que estudam e não podem ficar um tempo mais longo na escola.
O projeto também não foi discutido com a comunidade escolar, o que fere ao princípio constitucional da gestão democrática. Aconteceram diversos movimentos das comunidades escolares de resistência a esse modelo, com reivindicações de participação na construção de um outro projeto que atenda às especificidades das populações, mas não há, por parte do governo, uma abertura ao diálogo.
Além disso, a Escola Viva seleciona seus profissionais e possui uma equipe de gestão (diretor geral, coordenador financeiro, coordenador pedagógico, e coordenador administrativo) com salários adicionais que fere o principio de isonomia salarial entre os trabalhadores da educação.
Também há falta de transparência sobre os recursos financeiros gastos na gestão do projeto e sobre as parcerias estabelecidas com o setor privado. Em média, um estudante da Escola Viva custa cinco vez mais que um estudante de outra escola do ensino médio que não adota esse modelo. Mais uma vez, o governo Hartung fere com o princípio da isonomia ao tratar a oferta escolar de modo diferenciado entre as escolas.
Cabe observar que não pode haver justiça social e escolar quando um governo não atende igualmente os seus cidadãos. Nem pode haver justiça social quando o princípio empresarial domina o pensamento educacional, pois partem de premissas totalmente divergentes.
O espírito empresarial valoriza a competitividade entre os desiguais e a distribuição seletiva do fundo público. Essa espécie de miopia cultural e social dos empresários e, por sua vez, do governo que lhe dá sua base de ação, vem gerando a instalação de políticas educacionais para a população capixaba de caráter excludente, porque só atingem uma pequena parte da juventude e são centradas no individualismo extremado. Para os empresários, a perspectiva mercadológica é o centro do processo educacional.
A educação, ao contrário, tem a função de transformar as diferenças e as desigualdades entre as pessoas para torná-las livres da exploração e da alienação ditada pelo mercado. O papel da educação é promover a emancipação das crianças e jovens a partir da apropriação do amplo conhecimento científico para a construção de uma sociedade que tenha como base o bem-comum. O espírito coletivo e solidário é a base de um processo educativo. Portanto, é preciso resistir a um discurso teórico aparentemente progressista e uma prática regressiva a qual leva ao aprofundamento da desigualdade escolar e social no Espírito Santo.
Eliza Bartolozzi Ferreira é professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora do campo das políticas educacionais.