Sábado, 15 Junho 2024

​QAnon - final

O QAnon se funda na teoria da conspiração baseada numa narrativa em que o ex-presidente norte-americano, Donald Trump, herói deste movimento, estaria travando uma guerra oculta envolvendo o combate de redes de pedofilia, com adoradores de Satanás.

Parte do alto escalão do governo democrata, da imprensa, empresas e artistas de Hollywood. Os ativistas do QAnon se consideram como amantes dos Estados Unidos e encarregados de salvar o país do mal oculto representado pelos democratas e pela esquerda.

O QAnon opera com o vaticínio de que terá um ajuste de contas um dia, isto é, líderes democratas, como Hillary Clinton, serão presos e executados, e existe mais uma miríade de listas e teorias entre os adeptos do movimento que, muitas vezes, existem teses contraditórias entre si.

Entre os adeptos do QAno, são produzidas suas teorias da conspiração, apelos à numerologia, fatos históricos distorcidos, eventos de notícias que são subsumidas por fake news e demais mistificações que formam a gororoba de mentiras e boatos, e demais prestidigitações para idiotas. As ilações malucas e rebuscadas são o sumo deste movimento.

A origem do QAnon, no que hoje se forma como um mistifório de mistificações, tem base num fenômeno específico que se deu na rede social 4chan que, atualmente, está povoada por perdedores, os chamados incels e red pills, dentre outros seres frustrados e equivocados, indo até terroristas e psicopatas perigosos.

Foi, portanto, no 4chan que tudo começou para o QAnon. Isso se deu quando um usuário anônimo desta rede assinou como "Q", em outubro de 2017, afirmando que tinha um nível de segurança dos Estados Unidos conhecido como "autorização Q".

Em seguida, as mensagens deste usuário anônimo ficaram conhecidas como "Q drops" ou "breadcrumbs", que eram posts de teor enigmático, com slogans pró-Trump, além de temas e promessas ligadas à figura do ex-presidente dos Estados Unidos.

As teorias propagadas por este usuário "Q" logo ganhou adeptos. Como efeito, o tráfego sobre os temas levantados a partir deste usuário "Q" se espalharam por redes sociais, como Reddit, Youtube, Twitter e Facebook, viralizando e tendo a sua explosão a partir de 2017, com uma expansão ainda maior durante a pandemia do coronavírus.

Pouco antes de surgir o QAnon, já houve o chamado "Pizzagate" em 2016, durante as eleições norte-americanas, e foi quando se deu, primeiramente, a tese conspiratória sobre uma rede de pedofilia do Partido Democrata. O fato do Pizzagate se vincula a uma pizzaria de Washington chamada Ping Pong, em que alguns acreditavam, segundo boatos, haver abusos e rituais satânicos.

Um homem invadiu esta pizzaria com uma escopeta e atacou o local, a fim de desmascarar estes supostos abusos e rituais. Não teve mortos nem feridos, mas o homem que atacou, que tinha 28 anos, foi condenado a quatro anos de prisão. O invasor da pizzaria se entregou depois de constatar que não havia nada no local além de farinha, tomates e mussarela.

Uma das consequências da expansão das teorias da conspiração do QAnon, por sua vez, foi a de que em diversas redes sociais e pela internet, houve a reação de grandes empresas de mídia social no sentido de derrubar vídeos e postagens do movimento com o endurecimento de regras sobre conteúdos ligados a estes adeptos, o chamado conteúdo QAnon.

Contudo, ainda que haja um combate firme contra o QAnon dentro das redes sociais e na internet, temos milhões de adeptos e crentes de suas teorias malucas. A popularidade do QAnon não foi abalada, mesmo com alertas e desmascaramentos sistemáticos.

Uma das teorias propagadas se baseou numa investigação sobre a interferência russa nas eleições norte-americanas de 2016, encampada pelo procurador especial Robert Mueller, o que o movimento alegava que a investigação era, na verdade, um acobertamento de uma investigação sobre pedofilia.

Com o fim das investigações, sem nenhum escândalo revelado, o foco do QAnon mudou, impulsionando hashtags e coordenando ataques contra inimigos, entre políticos, celebridades e jornalistas, que o movimento acredita ser um grupo de pessoas que acobertam redes de pedofilia.

O efeito, além das ameaças online, são atos também no mundo offline, o mundo real. Logo alguns adeptos do QAnon começaram a ser presos. Em 2018, por exemplo, um homem bloqueou uma ponte sobre a Represa Hoover. Matthew Wright se declarou culpado de acusação de terrorismo. E o movimento foi ganhando feições de crimes reais, para além dos crimes virtuais.

O QAnon é uma fusão da letra Q com a palavra "anônimo", em inglês, e Q é tomado por um pseudônimo ou codinome do profeta secreto deste movimento, que os adeptos supõem ter feito parte do núcleo do governo feito pelo ex-presidente Donald Trump.

Com mensagens enigmáticas, este usuário Q deu azo a diversas interpretações tanto enviesadas como delirantes para formar a grande gororoba conspiratória que deu projeção ao QAnon. A partir de slogans em inglês como "WWG1WGA! (Para onde vamos, vamos todos), a popularidade do QAnon virou uma realidade.

Dentre as teorias da conspiração que circulam no QAnon estão as de que, por exemplo, John Kennedy está vivo, que os Rothschild dominam o mundo das finanças globais, a loja de móveis WayFair vende crianças em seu site.

Kim Jong-un, presidente da Coreia do Norte, deu lugar a um dublê, pois tinha sido colocado no posto pela CIA e liberado em 2018 por Donald Trump, que então mandou colocar este dublê. O QAnon defende ainda que, atualmente, vivemos a época do Grande Despertar, a véspera do que será a Tempestade em que Trump irá prender os vilões democratas do Estado Profundo em Guantánamo.

O QAnon inaugura um método contemporâneo de teorias da conspiração. Pois, quando falamos das versões clássicas de teorias da conspiração, estamos nos referindo a narrativas que tentam explicar algo que parte de algo ligado à realidade das notícias, tais como o assassinato de John Kennedy ou a ida do homem à Lua.

O QAnon, por sua vez, não demonstra qualquer preocupação em fundamentar suas teorias da conspiração, as tirando do nada, aleatoriamente, num modus operandi mais perverso do que eram as teorias clássicas, no que é chamado agora de Novo Conspiracionismo.

Ramón Nogueras, que escreveu o livro Por Qué Creemos en Mierdas?, ainda inédito no Brasil, é um psicólogo que tematiza sobre as teorias da conspiração, levantando a tese de que a falta de referências e um empobrecimento da experiência com a realidade abre caminho para as fantasias representadas pelas teorias da conspiração, pois estas podem oferecer um horizonte aparentemente firme no meio de um ambiente niilista.

Num cenário em que certezas são constantemente abaladas, as teorias da conspiração ganham terreno como referências em que seus adeptos se sentem especiais, detentores de informações privilegiadas e com a sensação de que a maioria está sendo manipulada por grandes organizações do mal.

Outro ponto que favorece o crescimento em popularidade de tais teorias da conspiração se deve ao que chamamos de infodemia, que é o excesso de informações circulantes, dificultando o discernimento entre o que é confiável e verificável e o que é manipulado e falso.

Ou seja, o maior acesso à informação, ao invés de nos dar melhores instrumentos para filtrá-las, provoca o seu oposto, e a responsabilidade de filtro pelas plataformas digitais se torna cada vez maior e com demandas de instrumentalização cada vez mais sofisticadas, sobretudo com a chegada, agora, da inteligência artificial no cenário tecnológico e no mundo real online e offline.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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