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Quando a chuva passa

Poucas coisas nesta vida são tão ternas e comoventes como a cantiga do joão-de-barro após a chuva.
 
Quem já ouviu, sabe. Quem nunca ouviu, que se ligue nesse momento singelo que não dura mais do que dois minutos, se a tanto chega. É muito mais breve do que o canto da corruíra ao amanhecer ou o pipilar da perdiz ao cair da tarde. É um canto único e particular. Genuinamente singelo como uma prece.
 
Sem a estridência de outros momentos, depois da chuva o joão barreiro cantarola em tom baixo, na faceirice típica de quem se rejubila por transmitir à companheira (e ao mundo) toda ternura que lhe vai no peito por um acontecimento tão trivial e tão essencial à sobrevivência de todos os seres vivos.
 
Do alto de um galho, passada a chuva, o bichinho já adivinha feliz que, por baixo das poças d´água, o solo amoleceu, gerando o barro propício à construção das casinhas redondas que vemos nos postes, nas porteiras, nos telhados e nos galhos das árvores.
 
Mesmo quem não está habituado à linguagem dos pássaros recebe intuitivamente a cantiga pós-chuva do barreiro como uma mensagem de agradecimento, um manifesto de íntimo aconchego com a Natureza naquilo que ela tem de mais elementar – a dádiva suprema da chuva.
 
Foi observando o joãozinho barreiro que  o homem construiu sua primeira morada mais sólida e duradoura. No começo era só barro batido sobre paus a pique, depois veio o cozimento do tijolo e da telha canoa.  Mas não é somente na ambição da casa própria que o joão-de-barro se parece com o homem.
 
Observe-se o jeito calmo d’ele caminhar. Efetivamente, o joão caminha, passo a passo, como se humano fosse. Ao contrário da maioria dos passarinhos, que se deslocam saltitando ou pulando, o joão-de-barro parece andar de mãos nos bolsos, de peito estufado, como se quisesse nos dizer: “Sou capaz de construir uma casa por ano, mas somente se chover. Sem chuva nada feito.”
 
Sim, de fato, sem chuva não haverá casinha de barro nem lavouras ou criações e tampouco operação de usinas hidrelétricas. Ouviram, humanos?
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Na excitação em torno do desenrolar de suas potencialidades científicas e técnicas, o homem moderno construiu um sistema de produção que violenta a natureza e um tipo de sociedade que mutila o homem (…). Esta é a filosofia do materialismo, filosofia que está sendo agora contestada pelos acontecimentos.”
 
E. F. Schumacher, Small Is Beautiful, 1973 – O Negócio É Ser Pequeno, segundo a tradução de Octavio Alves Velho, Zahar Editores, Rio  

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