Sexta, 26 Abril 2024

Quando o outono passar

O mundo anda de cabeça pra baixo, como dizia minha avó, que deve ter passado pela pandemia anterior, cognominada gripe espanhola. Andava esquecida - a gripe, não a avó - coisa de tempos sem penicilina e TV a cabo, jamais aconteceria nos dias atuais, juravam os entendidos. No entanto, a avó nunca fez qualquer comentário a respeito, ou se fez não me lembro. Ou talvez não tenha visto nem ouvido falar: morava na roça, nome dado antigamente às fazendas, sítios e vilarejos. Vinha nos visitar em Muniz Freire, e lembro dela sentada na cadeira de balanço, aceitando pacientemente que as netas lhe trançassem e destrançassem os longos cabelos. Ad infinitum. 

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Mudamos para Alegre e ela para o Rio, nunca mais fez a viagem de volta, porque não gostava de viajar. Tal e qual minha mãe, que poucas vezes foi visitá-la na então capital federal. Abre parênteses: Hã? Você não sabia que o Rio de Janeiro já foi a capital da nação? Antes foi Salvador, na Bahia. Fecha parênteses. Hoje nada é como antes e as viagens são eventos comuns nas nossas vidas. Em consequência, assim como as pessoas e as fake news, os vírus e micróbios também se movem com mais facilidade. Esse é o preço que se paga pelo progresso desenfreado. Mas não culpemos apenas o progresso, que as pessoas também andam desenfreadas. Essa semana inauguraram um supermercado próximo da minha casa e levei um susto. Como assim? Quando me tranquei em casa nos idos de março não tinha nada naquele terreno vazio, onde algumas vaquinhas pastavam tranquilamente. A epidemia não acabou e já construíram um supermercado, um posto de gasolina, o McDonald número 10 mil, e algumas lojas. Que nem a Carolina na janela, o tempo passou e eu não vi.

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Outro susto quando olho o calendário e vejo que o ano está chegando ao fim, e ainda sinto que estou em março. As casas em volta se engalanam com abóboras e esqueletos, fantasmas e túmulos com o infalível RIP: Descanse em paz. Tudo muito sinistro e pouco apropriado para o momento que estamos vivendo. Mesmo assim, outubro é o mês do Halloween, e estou curiosa para saber se vão deixar as crianças rondarem os condomínios, batendo de porta em porta. Quem sobreviver há de ver. Depois informo.

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No primeiro dia de funcionamento o supermercado ofereceu 5,00 de desconto para os fregueses. Portanto, soube que estava lotado, apesar do lockdown - que já não anda tão fechado assim. Beneficiando-se com a promoção, a pizzaria da esquina também estava lotada. Com pandemia ou sem pandemia, o mundo cansou de esperar e segue em frente. Na janela da minha prisão domiciliar, via os estacionamentos em frente das casas sempre cheios, agora estão vazios. Como cantou o Stanislaw Ponte Preta, O trem está atrasado ou já passou. O quê? Não sabe quem foi o Stanislaw?

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