Governo negou prática comercial discriminatória
O Brasil respondeu às acusações do relatório norte-americano ponto a ponto. O tema principal foi o Pix, que abrangia a área de comércio digital e serviços eletrônicos de pagamento, em que o Itamaraty deu uma resposta extensa, em que o governo brasileiro nega que a ferramenta do Banco Central discrimine empresas dos Estados Unidos, pois as suas políticas visam a proteção dos consumidores na questão de cibersegurança, além da manutenção da estabilidade financeira.
O governo ainda acrescenta que se trata de uma infraestrutura pública, aberta e neutra, usada na promoção da inclusão financeira e da concorrência, e não há discriminação, pois o Google Pay, por exemplo, já participa do sistema, além de outras empresas estrangeiras. Ainda há o caso do FedNow, que em comparação com o Pix, é um sistema que oferece funcionalidades semelhantes, o que foi explicado pelo próprio Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos.
Quanto às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), em que se alegou que empresas norte-americanas do comércio digital e serviços de pagamento eletrônico foram prejudicadas, o governo brasileiro explicou que tais decisões não estabelecem responsabilidade automática para essas empresas em vista de conteúdos de usuários, sendo tal reservada para casos graves, que envolvem tráfico humano, pornografia infantil, terrorismo, crimes contra a democracia e etc.
No caso da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que rege a proteção de dados no Brasil, o governo brasileiro afirma que a lei do país se inspirou no GDPR da Europa, que é uma norma internacionalmente aceita, e que não há qualquer proibição de transferência de dados sobre os Estados Unidos, o que se exige, na verdade, são cláusulas contratuais e quetais, e que são aplicáveis a todos os países.
Quanto às tarifas preferenciais, no caso de países como Índia e México, tal direcionamento se deve ao Mercosul, e que tais acordos estão conformes às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Tal alegação também não se sustenta pelo fato de que os Estados Unidos são superavitários na balança comercial com o Brasil, em que 73,7% das exportações norte-americanas entram sem tarifa.
No caso da falta de combate à corrupção, o governo brasileiro afirma ter feito reformas institucionais para fortalecer essas ações, tais como o aprimoramento da Lei Anticorrupção, que está alinhada a padrões internacionais, tal como a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) dos Estados Unidos. Houve também o fortalecimento da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF), além da cooperação com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de cooperar também com outros organismos internacionais, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU), não havendo práticas de discriminação contra empresas norte-americanas.
Na questão sobre propriedade intelectual, o governo brasileiro comparou medidas tomadas no país com as que estão consolidadas no exterior como o Acordo Trips (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio) da OMC. No Brasil foi registrado, então, a modernização dos regulamentos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e uso de ferramentas digitais, a adesão a tratados internacionais como o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT) e o Protocolo de Madri para marcas, e a redução de backlog de patentes. O Brasil ainda ressaltou a cooperação ativa com os Estados Unidos em projetos que envolvem propriedade intelectual.
O Brasil também respondeu sobre a acusação de proteger o mercado de etanol nacional, em que o governo afirma que se trata de uma política que visa o desenvolvimento sustentável do setor de biocombustíveis e que as tarifas de importação de etanol estão de acordo com compromissos assumidos no Mercosul e na OMC, sendo que tanto o Brasil como os Estados Unidos são líderes mundiais no setor de biocombustíveis e possuem um histórico de cooperação mútua.
Quanto ao desmatamento ilegal no Brasil, o governo negou prática comercial discriminatória em relação às suas políticas ambientais. As acusações norte-americanas envolvem entraves regulatórios e leniência do Brasil no combate ao desmatamento, que produziria uma concorrência desleal com favorecimento da indústria brasileira.
O Itamaraty, no entanto, diz que o país registrou queda no desmatamento, com ações como os Planos nacionais de clima, fortalecimento de órgãos de proteção ambiental como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O governo brasileiro ainda cita a implementação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm) e reafirma o compromisso com o Acordo de Paris e a cooperação internacional na questão da sustentabilidade.
No último dia 3 de setembro, o embaixador Roberto Azevêdo, consultor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), fez um pronunciamento em defesa da indústria brasileira durante audiência pública da USTR, Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos. Foram apresentados argumentos que se juntaram à apuração conduzida pela USTR, com base na Seção 301 da Lei de Comércio, que permite a investigação de políticas ou práticas consideradas injustas, discriminatórias ou restritivas ao comércio norte-americano. Azêvedo, em cinco minutos de sustentação oral, apresentou argumentos para todas as seis áreas de preocupação apontadas pela investigação da USTR e ainda mencionou a importância da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos.
Essa audiência pública irá ouvir empresas norte-americanas e representantes brasileiros também poderão falar caso se cadastrem para tal. Os interessados terão o período de sete dias para réplica, em que a investigação do USTR busca apurar se as práticas comerciais brasileiras foram prejudiciais às empresas dos Estados Unidos, e após análise técnica, portanto, haverá espaço para consultas ao governo brasileiro, algo previsto pela norma norte-americana para uma negociação diplomática no âmbito da investigação, com tempo máximo do processo de 12 meses, ou seja, poderá durar até julho de 2026.
Grande parte dos processos da Seção 301, que envolve as investigações comerciais no USTR, terminou em acordo, antes do julgamento final, e caso não haja acordo, o USTR irá finalizar o processo concluindo se o Brasil é responsável ou não por práticas comerciais discriminatórias, e se a conclusão for positiva, a agência poderá recomendar medidas corretivas contra o Brasil, podendo incluir a imposição de tarifas adicionais, cotas de importação e a suspensão de benefícios comerciais que o Brasil tenha com os Estados Unidos.
Se a investigação não encontrar problemas, a pressão cai sobre o governo norte-americano, e mesmo assim, isso não implica na retirada das tarifas impostas ao Brasil, embora a imagem política da administração Trump possa ficar abalada dentro dos Estados Unidos, ajudando opositores do atual presidente norte-americano. O Brasil, por fim, tenta caminhos institucionais para a resolução das controvérsias, evitando se igualar à postura cesarista de Trump.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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