Houve um tempo em que matava-se galinhas para o almoço. Frangos ou frangas também, que na panela todos se irmanam. Uma galinha assada podia ser frango ou franga, ou até mesmo galinha. Como assim, matava-se? Não matam mais? Claro que ainda saem vivos de dentro do ovo, mas hoje são coletivamente dizimados nos frigoríficos ou nas granjas. Crueldade animal é a realidade da nossa mesa.
No tempo em que os galináceos – e os porcos – eram mortos no quintal, tínhamos em casa uma cozinheira, a Tina, ‘de mão cheia”, como se dizia no tempo em que as aves ciscavam no terreiro. Como exigido no contrato de trabalho (não escrito, mas estritamente seguido), uma das tarefas da Tina era matar a galinha para o almoço de domingo. Com muito sangue frio e uma faca bem amolada, Tina pegava as coitadas e com os pés as prendia no chão – um para os pés e o outro para as asas. Depenava uma área do pescoço e zap!
Analfa e mal humorada, Tina nunca errava o sal ou o tempo de cozimento. Também não saberia seguir uma receita, mas nem precisava – agia por instinto, como quem toca piano de ouvido. Detalhe importante: frango ou galinha, só aos domingos. Com macarronada era prato nobre. As penosas eram compradas no sábado e mantidas engaioladas até o momento da degola – que Tina executava com rapidez e eficiência.
Foi que um dia, não sei motivada por qual alucinação, Tina cismou de me ensinar a matar galinhas. Eu? Pra quê? Quando eu crescer a cozinheira mata pra mim. “Todas minina precisa aprender a fazer de um tudo na vida”. Mamãe por acaso matava? Faltando uma auxiliar, essa tarefa sobrava para meu pai. Mas a Tina estava certa – naqueles idos, poucos maridos ajudavam nas tarefas de casa. Meu pai era exceção nessa área, e também por comer pés e cabeça de galinha.
Tanto a Tina me atazanou que afinal lá fui eu… rumo ao desastre. Claro que não cortei com a devida rapidez, ou não prendi as asas com a devida força. A galinha se soltou e saiu a correr pelo quintal, com o pescoço aberto esparramando sangue pra todo lado. Mesmo meio morta, foi uma luta pegá-la e terminar a degola. Devia ter deixado viva pra ver no que dava. Pois existe o caso verdadeiro do Mike, o frango mal-decapitado que sobreviveu mais de um ano sem cabeça.
O dono o alimentava com conta-gotas e seringas, e o levava para exibições, chegando a faturar 4.5 mil dólares por mês. Mike morreu sufocado por seu próprio muco, por descuido do dono, que numa viagem esqueceu a seringa em casa. E a Tina estava errada – pouco tempo depois os açougues, e supermercados, começaram a vender o frango morto e esquartejado. Só matavam em casa quando queriam uma galinha ao molho pardo. Até hoje, nunca encontrei ninguém que soubesse degolar uma galinha.