Um dia, num momento de grande aperto, teve que pedir dinheiro emprestado. Um valor alto, se não arranjasse perdia a casa. O cunhado emprestou com a melhor das boas vontades, Mesmo com sacrifício, disse. Melhor ainda, não cobrou juros nem marcou data de pagamento. A dívida monetária Voltero ia pagar em breve, mas a dívida moral não poderia pagar nunca. Portanto, na família, cunhado virou sinônimo de irmão.
O reconhecimento pelo favor prestado se estendeu ao Vasco, o time do cunhado. Doravante, na família, Vasco e Flamengo deixavam de ser times rivais, eram parceiros. Se o Vasco jogava com outros times, Voltero torcia pro Vasco; se jogava com o Flamengo, não assistia ao jogo e nem torcia por seu time de coração. Nem se fosse final de campeonato.
Voltero é uma das raras pessoas que tem uma aptidão chamada serendipidade – uma facilidade para descobrir coisas por acaso, geralmente agradáveis. Mesmo sem pesquisar nos sites da Internet, sem contratar detetives, ou sem frequentar os mesmos lugares que o cunhado frequenta, Voltero por acaso descobre que o cunhado está traindo a esposa. No caso, sua dileta e única irmã.
A vida tranquila e cheia de gratidão de Voltero de repente vira um caos. O acaso vai mais longe, e sem querer ele descobre que a traição é de primeiro grau – a outra é teúda e manteúda, como se dizia antigamente – com casa montada e todas as contas pagas. Voltero sente-se no dever moral de contar à irmã, sangue do seu sangue, que vive feliz e apaixonada, confiante no bom esposo. Mas lembra do juramento que fez – nessa família cunhado é sinônimo de irmão!
A esposa traída vê no marido todas as virtudes que poucos seres humanos conseguem reunir em uma só pessoa: bom, bonito, abastado; inteligente, eficiente, bem relacionado. Jamais contraria a esposa e a trata como rainha, com o coração e a conta bancária sempre escancarados. Convenhamos, é vitamina demais num copo só. Alguma coisa tinha mesmo que dar errado.
Descobrir por acaso coisas que ninguém mais percebe sempre foi uma distração para Voltero. Percebeu o dom desde criança, mas nunca o usou contra ninguém, como também nunca lhe trouxe beneficio algum. Agora, de repente, justo quando resolve promover o cunhado a irmão e quando pela primeira vez lhe deve alguma coisa, descobre o que preferia não saber.
Melhor seria continuar cego como sua irmã. Nasce daí o impasse – contar ou calar? Ponderando prós e contras, contar é seu dever de sangue, mesmo sabendo que a irmã é feliz. Por outro lado, a única aptidão da irmã é para o consumismo contumaz; se largar o marido, vai viver às custas de quem? Voltero nada conta e considera suas duas dívidas liquidadas. E parou de torcer pro Vasco.