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?? só uma questão de tempo

Meu relógio é um pequeno objeto circular com grandes números em volta. É humanamente impossível ignorá-los. Três ponteiros girando eternamente sobre um eixo comum cumprem a enfadonha tarefa de me lembrar que eles não estão ali por acaso. Eternamente, na linguagem dos relógios, significa que eles duram até a bateria acabar, a pulseira quebrar, saiam de moda ou se autodestruam por incompetência, defeito de fabricação, queda, imersão em líquidos, etc.
 
Podem ainda ser roubados ou perdidos, e mesmo se continuam trabalhando diligentemente, já não me são úteis, portanto, morrem para mim. O constante girar dos ponteiros do relógio reflete a precariedade da vida humana. Também nós giramos incessantemente, não dentro, mas sobre um corpo circular, até que um dia nossa vida útil também se esgota, e viramos sucata, obsoletos como o celular de anteontem. Não tem como trocar a bateria.
 
Meu relógio custou pouca coisa, é um objeto barato e simples. Minha vizinha tem um belíssimo Cartier que custou cem vezes mais, e sempre que nos encontramos faço questão de conferir nossos relógios – a hora nos dois é sempre a mesma, apesar de um ter “pedigree” e o outro ser um “vira-lata”. Mas qual a novidade? Esta é a obrigação de todos os relógios, sejam eles de camelô ou de grife: informar a hora certa e o minuto exato a cada fração de segundo.
 
Também nós, humanos, ricos ou pobres, temos a mesma função na vida: obedecer aos comandos dessa máquina insensível que administra nosso tempo: muito quando não precisamos, pouco quando temos pressa. Seguimos religiosamente os ditames desse objeto inanimado que gira no compasso do globo terrestre, indiferente a essas milhões de formigas humanas atentas ao insignificante bater das horas.
 
O modesto artefato no meu pulso não é meu único algoz. Outros me espreitam o tempo todo, tal como me espreita a ceifadora de vidas quando todas as horas se esgotarem. No canto da tela do meu computador, os números se sucedem com monótona precisão, sempre me lembrando que o tempo virtual voa sincronizado com o tempo real. No micro-ondas da cozinha outro tic-tac constante me avisa que panela no fogo é barriga vazia.
 
No quarto outro painel luminoso empilha números em neon uns sobre os outros, a me lembrar que o corpo precisa de descanso, mesmo se tem um bom filme na TV, ou que preciso levantar, mesmo se quero me enrolar na cama um pouco mais. É, o tempo não para, não. O homem inventou os domingos e feriados, mas esqueceu de inventar relógios que não funcionem nesses dias.

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