Que lindo dia, diz Linda, sendo despertada pelo sol adentrando o quarto sem cerimônia. Diria Linda Que-lindo-dia se a chuva invadisse sua janela? Mesmo que chova a cântaros, um dia de chuva pode também ter seus encantos out trazer boas surpresas. Linda casou num dia de chuva e divorciou num dia de sol, e até hoje não decidiu qual desses dois dias – que ficaram como parênteses em sua vida – foi o bonito ou o feio. Linda confere a previsão do tempo no celular: a meteorologia garante tempo bom e ventos brandos, trânsito rápido e poucos assaltos. Vamos à praia! grita, cheia de boas intenções.
Os filhos, porém, já atados por fios invisíveis à tela da televisão, protestam em uníssono – Praia é chato, mãe! Desde quando? Se espanta Linda, cheia de surpresa. Quando criança, ir à praia era uma festa – Sol, mar, picolé de limão, frango frito com farofa, melancia bem gelada e já esquartejada, suco de maracujá… Farofeiros, sim, mas com privilégios, como pizza e guaraná na volta. Hoje, porém, ao invés dos gritos de alegria, Linda só ouve resmungos. Pode levar o I-Pad? Nem pensar! Praia é pra jogar bola e peteca na areia, pular onda, se molhar, correr, refestelar ao sol, catar conchinha… Pelo menos quando eu era criança…
Quanto tempo tem que você era criança, mãe? pergunta um. Já existia I-Pad? acrescenta o outro. Só vou se você deixar usar seu celular, ameaça Larissa, a mais velha. Vai ligar pra quem? brinca Linda, já preparando a parafernália para a grande aventura. Tem joguinho, mãe, responde a menina com ares de quem lida com uma criança de sete anos. Desta vez Linda não cede, Vamos a la praia, onde é proibido usar aparelhos eletrônicos. A turminha não desiste, Cerveja também não pode, mãe. Você fica muito chata quando bebe. Se só eu posso dirigir, então não bebo, Linda explica. Você fica mais chata ainda quando não bebe.
Esse diálogo entre filhos e pais seria totalmente impossível alguns anos atrás. Quando a mãe dizia Vai ou Faz, não importa aonde ou o quê, a única reação negativa aceitável era, Preciso mesmo? Raramente surtia efeito, e na maioria das vezes vinha de volta um olhar enviesado. A mãe usava a técnica dos olhares que valiam mais que mil palavras. Com o pai, patriarca e provedor da santa família bem constituída, Linda nem sequer tentava – era obedecer ou obedecer. Hoje em dia as coisas andam diferentes, e os filhos de Linda, de 5, 7 e 8 anos, questionam tudo e raramente obedecem. Futuros anarquistas ou políticos?
Não faz tanto tempo assim, a chamada célula mater da sociedade era composta de pai e mãe bem casados, e mesmo se trabalhasse fora, a mãe tinha que cuidar da casa e dos filhos. Na maioria das vezes o pai ganhava mais, mas se ganhasse menos ou não ganhasse nada, continuava mantendo o título de provedor e cabeça do casal. Nesse modelo tradicional, os filhos obedeciam, e ponto final. Hoje a família não tem modelo: casal hétero ou do mesmo sexo, pai ou mãe sozinhos, produções independentes. Ser um casal não significa que sejam casados – tem padrasto-madrasta- ficante, namorado-a, amigo-a com benefícios, etc. Seja qual for o tipo de relacionamento, na família moderna são os que mandam.
Linda venceu desta vez, e arrastou os filhos para um domingo na praia, onde várias possibilidades se impuseram – a) choveu, as crianças brigaram o tempo todo e ainda depararam com o ex de Linda mas ainda pai das crianças, acompanhado de seu novo ficante, que adora as crianças e comprou tudo que elas exigiram; b) o sol manteve o bom humor, as crianças se divertiram, e Linda encontrou um ex-alguma-coisa em sua vida, que não via há anos, e as centelhas voltaram a se acender… Divorciou? Eu também… Seus filhos? Que crianças adoráveis! Sua mãe ficaria com elas pra gente pegar um cineminha hoje à noite? É, muita coisa mudou na família moderna, mas as avós continuam de prontidão.