Há uma interconexão das subculturas do ódio
Há uma “incelsfera” que passa de meninos frustrados e vulneráveis, indo para meninas recrutadas, gays, em que se juntam pessoas do espectro de celibatários involuntários, e que são cooptados para práticas violentas, como resultado de inadequação afetiva e social, baixa autoestima, bullying e rejeição. É uma junção de fatores de sofrimento mental e, algumas vezes, incluindo a saúde mental, como pessoas depressivas e com ideações suicidas.
Além da comunidade de incels, como citado, a de fetichistas de true crime pode incluir a TCC (True Crime Community), que é um fandom de assassinos em série e terroristas. Tem ainda a Gore, com violência extrema; a MMC (Maniac Murder Cult), subcultura surgida na Rússia, que glorifica e faz apologia a serial killers, assassinatos em massa e violência extrema; a ED, que faz apologia de transtornos alimentares; a Sh, de automutilação e suicídio; e a Cannibal, de apologia ao canibalismo.
Pode-se incluir, ainda, a machosfera ou manosfera, os MGTOWs, de masculinistas de direitos dos homens; e a PUA (pick-up artists), que praticam coaching de sedução, conquista e submissão feminina, culminando com a Terrorgram, que é uma rede internacional de terrorismo neonazista aceleracionista. Por fim, a Com-network, que está relacionada à Ordem de Nove Ângulos, rede internacional neonazista e satanista, que está bem presente no Brasil, e é muito influente no Discord, em que se estimulam a produção de vídeos ao vivo de violência contra animais e de sextorção, em que o indivíduo faz automutilação com o nome de seu líder.
Há uma interconexão das subculturas do ódio e, portanto, uma mistura de ideologias, em que o usuário recebe propaganda extremista, podendo virar produtor de conteúdo e de vídeos curtos, chamados edits, recebendo materiais ideológicos como livros, e sendo exposto a banners e memes, numa junção de material de inspiração e de instrução, para realizar a cooptação desse indivíduo para a radicalização online. Nesses fóruns, por sua vez, se aprende manuseio de armas e explosivos, uso de impressora 3D para a fabricação de fuzil, uso de produtos químicos, técnicas de envenenamento, assassinatos, e etc.
Dentro desses grupos, se cria uma sensação de pertencimento de identidade, numa disputa de status interno, que envolve todo tipo de crime e de crueldade, com desafios e pontuações. E a identidade individual passa por uma fusão com a do grupo, diluindo-se em extremismos. Esses grupos são pós-organizacionais, pois não possuem hierarquia, com uma horizontalidade formada por uma cadeia contínua de radicalização, passando de um indivíduo ao seguinte.
Tais fóruns não estão mais somente na deep web, pois se encontram à mão, em aplicativos e plataformas ao alcance de adolescentes e crianças. No Brasil, os focos de radicalização estão no Telegram, Discord, Clover Space, que foi o antigo Project Z, que o Google desospedou da Play Store, e que voltou à loja com este novo nome. Outro foco é a mediação feita pelos stories do Instagram e pelo Tik Tok para essas plataformas mais nichadas.
Casos evidentes de influência são, por exemplo, o Zangi, que funciona de modo semelhante ao WhatsApp; o SimpleX, que só tem porcaria; além de neonazis e extremistas islâmicos no X, antigo Twitter. No Tik Tok, há uma cooptação que transporta para o Telegram e o Discord, onde existem edits, que antes se chamavam de Lulz, e que hoje são denominados eventos, que são vídeos de violência ao vivo, com plateia, nos chats estimulando os atos, e que pode incluir desafios valendo dinheiro ou para a conquista de status intragrupo.
E agora tem ainda os pagamentos via Pix ou Robux (moeda digital do jogo Roblox). E tudo envolvendo jovens que, nos últimos tempos, tiveram um desenvolvimento diferente de outras gerações, com diminuição do contato social e incremento da vida online, o que dificulta a aprendizagem de limites de convivência, com falta de referências concretas e vivências reais profundas e formadoras, virando alvo de extremistas do radicalismo online.
Tais fóruns radicais, portanto, viram os lugares em que tais jovens podem encontrar a sensação de pertencimento, com a fusão de suas identidades a tais grupos da internet. Faltando ao Brasil, por sua vez, um embasamento acadêmico amadurecido de prevenção e combate ao extremismo online, também refletindo uma falta de aparato jurídico, como um projeto de lei objetivo e fundamentado. E na esfera da segurança pública, faltam investimentos em inteligência e pessoal, além da falta de um direcionamento específico.
Projetos de desradicalização, como o Prevent, do Reino Unido, estão bem distantes da realidade brasileira. Pois é no Prevent que se faz avaliação de risco, a partir de relatos de pais preocupados ou desconfiados de um filho ou filha, em que pode ser mobilizada, caso necessário, uma equipe com psicólogos e assistentes sociais para desligar esse indivíduo de ideologias radicais nas quais ele estiver envolvido.
Em geral, quando tais problemas acontecem, já é tarde, e a polícia já está à porta, e os pais só percebem depois, embora o caminho para uma ação violenta seja para alguns, pois outros ficarão na idealização. E os sinais de radicalização, por exemplo, podem estar em uma comunicação violenta, isolamento social, roupas que cobrem o corpo, podendo ocultar cortes de automutilação, além de muito tempo passado dentro do quarto.
A vigilância, por sua vez, se dá presencialmente, vendo com quem o adolescente está se relacionando na internet, pois o acesso a esses fóruns não dependem mais da deep web, estão nos smartphones, dentro de aplicativos e plataformas. E para menores de 15 anos, o melhor é que se evite o acesso deles ao celular.
Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:
Centro de Valorização da Vida (CVV)
Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.
Canal Pode Falar
Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.
SUS
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes.
Mapa da Saúde Mental
O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com