Sexta, 03 Mai 2024

Transição incompleta

 

O espetáculo das eleições, que desperta paixões, principalmente, nas cidades do interior , combinado com uma lembrança histórica da luta nacional pela retomada do direito de votar em todos níveis, personificada num movimento ocorrido quando metade dos brasileiros de hoje sequer era nascida, o “Diretas Já”, em 1984, ofusca nossa visão e não enxergamos que democracia é muito mais do que ter o direito de votar.
 
Isso ficou latente, para um grupo restrito de pessoas que participaram de um seminário, promovido esta semana em Vitória, cujo próprio nome já soou estranho, em princípio:  O Poder Judiciário e a Justiça de Transição.
 
Em primeiro lugar, existe uma noção equivocada de que esse tipo de evento promovido no âmbito do Judiciário é voltado apenas para o público interno. Não é. A sociedade sempre reclamou da dificuldade de acesso ao Judiciário e, em dado momento, até o Presidente da República anterior disse que “precisamos abrir a caixa preta do Poder Judiciário”.
 
Lula tinha lá suas razões históricas, como todos nós, e de fato a própria arquitetura dos Palácios de Justiça projetava essa ideia, mas é preciso compreender os avanços extremamente importantes quando se pretende que o País seja uma democracia.
 
Justiça de Transição, que bicho é esse? Às vezes sequer tentamos entender as palavras, ou elas nos soam mesmo muito distantes. Como a ditadura acabou há quase 30 anos, ficamos pensando que somos um pleno estado democrático de direito porque podemos votar e ser votados, sem restrições. Mas a vida não se resume a festivais, como proclamou, em pleno regime de arbítrio, o compositor Geraldo Vandré, antes de ser barbarizado pelo regime, como tantos outros brasileiros.
 
O seminário de quarta, quinta e sexta, a exemplo de outro na segunda e terça, colocou o Espírito Santo na rota dos grandes temas da humanidade. E isso não é força de expressão, é real. Qualquer curioso que ler a relação dos palestrantes nos dois eventos vai perceber que, nesses cinco dias, passaram pelo Espírito Santo algumas das mentes mais brilhantes do Planeta, nacionais e estrangeiras. E a gente não aproveitou quase nada.
 
Sim, mas Justiça de Transição, que bicho é esse? Eu mesmo me fiz essa pergunta, sem refletir para o significado das palavras. E, como nos tempos de produção de “Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura”, fui conferir e fiquei atônito com tanta coisa que a gente não conhec e. E isso foi proposital, razão ainda maior para que se discutam assuntos que sequer ventilávamos.
 
A primeira coisa que aprendi - e já teria valido à pena, se eu não tivesse bebido de fontes como o ministro Alejandro Sólis, o jovem secretário nacional da Justiça Paulo Abrão, o surpreendente Marcelo Torelly, o instigante Leonardo Filipini, o incansável procurador Marlon Weichert, as brilhantes cientistas sociais Lorena Balardini e Cath Collins, o irrequieto brasilianista Anthony Pereira e os lúcidos professores Eneá de Stutz e José Bittencourt – é que justiça é diferente de Judiciário.
 
Esse aprendizado fez-me até compreender melhor as palavras do mestre galileu quando disse que seríamos bem-aventurados quando tivéssemos fome e sede de justiça, porque seríamos fartos. Judiciário é sistema, justiça é direito humano. O sistema existe por causa do direito. Se não se aperfeiçoa para dar essas garantias, não será a justiça a ser reformada, mas o sistema.
 
Quanto mais a gente escuta as vozes de mentes que evoluíram no sentido da valorização da vida humana, mais a vida adquire valor pela elucidação de seus valores. O estado democrático de direito é um valor defendido por essas mentes, que não conhecem fronteiras geográficas e nem políticas, mas viajam no universo da alma humana coletivizada num substantivo derivado: humanidade.
 
O ritmo diário, na luta pela sobrevivência, leva-nos a uma alienação em relação a valores como a democracia plena. Por isso, cada vez mais advogo a tese de Domenico de Masi de que necessitamos do ócio para despertarmos nossa criatividade. Óbvio, isso não agrada a quem detém o status quo, mas o que é o status quo sem as pessoas?
 
O que acabei por descobrir é que estava enganado sobre o pleno estado democrático de direito e ainda há muito a conquistar. Como ensinou, há quase 100 anos, o genial Napoleon Hill, minha mente mestra mudou.
 
 
 


José Caldas da Costa é jornalista, licenciado em Geografia. Escreve neste espaço como colaborador nos finais de semana. Contatos:

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