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Um passarinho me contou

Como um ermitão nunca contradiz o outro, ambos estão certos

O ermitão caminha por verdes trilhas ouvindo o trilhar dos pássaros sobrepondo-se ao burburinho do trânsito em alguma estrada muito distante, a conversar com o vento que não lhe dá muita atenção e se intromete entre os galhos fartos das árvores, distraídas essas em derramar suas sombras pelo chão, como deusas generosas distribuindo bênçãos. 

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A primavera bateu asas e voou, só volta no ano da graça de 2026. Outubro traz o outono no hemisfério norte, enquanto a primavera enfeita o hemisfério sul com seu manto de flores. O  ermitão mora em uma caverna isolada das tentações desse mundo, e em sendo muito sábio, disse: a primavera é o sorriso da natureza. Não muito longe dali, um outro ermitão vê o mundo enfeitado de cores e sorri: as flores são o sorriso de Deus para nós.

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Como um ermitão nunca contradiz o outro, ambos estão certos. No princípio de tudo nosso astro era quadrado, mas sua constante rotação lixou as arestas e o planeta foi se arredondando, até se tornar o que é hoje – uma bola de ar e água envolta em seu manto de oxigênio, flutuando em um universo infinito feito de luz e sombras…o começo ou o fim? Só saberemos quando acabar.

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O ermitão se alimenta de ervas e da água de uma fonte ali perto. Não precisa de roupas, pois ninguém mais ali transita; não precisa de agasalhos, porque em sua caverna o ar é sempre ameno. Quando mais jovem aventurou-se pela literatura e escreveu um livro – Pensamentos para o futuro, no qual definiu os dez princípios fundamentais para a salvação do universo. Quando a grande obra chegou às livrarias, ele ficou chocado – Tantos livros sobre os assuntos mais fúteis, conselhos inúteis, ideias ocas ou loucas, enquanto sua grande obra jazia esquecida na última prateleira dos fundos. Contou: estavam todos ali, nem ele mesmo comprou um.

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A obra que levou anos para escrever e que poderia salvar esse planeta distraído que rola inexoravelmente para o fim de todas as coisas – boas ou más, ricas ou pobres, sábias ou estúpidas – não vai salvar ninguém. Não exagera, amigo, diz o outro ermitão, que sabe ler o pensamento das pessoas. Ou que talvez nem exista, é apenas uma projeção da consciência carente desse solitário ser humano.

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Mas que tem bons conselhos escondidos na manga: uma coisa é certa, amigo: o mundo não vai acabar na primavera, portanto, aproveite essa trégua! Saem os dois pelos caminhos, colhendo flores para enfeitar a caverna: um coberto de farrapos, o outro nu; um sabedor de todas as coisas, o outro ignorante como uma criança feliz. Um que escreveu o grande livro que desviaria o mundo de sua rota inexorável para um final infeliz, e o outro que nunca leu livro nenhum.

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