Quem viu a festa da chegada dos campeões do mundo à Alemanha na manhã de 15 de julho não se esquecerá tão cedo da genuína alegria com que eles se entregaram à dança aprendida com os pataxós do sul da Bahia, onde estiveram concentrados durante a Copa do Mundo 2014.
Os alemães vieram ao Brasil jogar futebol, mas mergulharam com suas famílias na realidade da aldeia indígena de Santa Cruz Cabrália (BA), recolocando no ar histórias sepultadas por décadas de desprezo pela cultura indígena. Aí está a lição extra deixada pelos alemães: futebol também é cultura.
Deixando de lado o marinheiro hamburguês Hans Staden, que esteve no Brasil por duas vezes no século XVI, tendo vivido entre os tupinambás do Rio de Janeiro, a saga da Seleção Alemã na Copa do Mundo 2014 fecha dois séculos de profundo relacionamento entre brasileiros e germânicos – nossos “hermanos” de pele clara e fala estranha.
Recordemos: essa história começa em 1816 com o casamento de D. Pedro I com a arquiduquesa austríaca Leopoldina de Habsburg-Lorena. Ela trouxe de Viena uma comitiva de artistas e cientistas, com destaque para J.B. von Spix e Carl F. P. von Martius.
No livro Viagem pelo Brasil (1817-1820), Spix e Martius descreveram a paisagem do Rio como “jardim paradisíaco de fertilidade e magnificência”. Depois deles, outros visitantes alemães elogiaram a beleza do país.
O mercenário Theodor Bösche, que chegou ao Rio em abril de 1825, ficou boquiaberto: “Não há pincel capaz de pintar a magnificência desta natureza grandiosa”.
O soldado Carl Seidler comparou o Rio ao regaço materno: “Altas montanhas envolvem o conjunto e os navios aqui ficam tão seguros como o filho no colo da mãe”.
O pintor bávaro J. Moritz Rugendas achou que o Rio, com 40 igrejas, era pobre arquitetonicamente.
O prussiano Theodor von Leithold observou o grande número de vendas: “Não há rua, ou travessa, mesmo num raio de cinco ou seis horas em torno da cidade, que não tenha a sua venda a pouca distância uma das outras”.
Por coincidência, foi no mês de julho (de 1824) que chegaram ao Rio Grande do Sul as primeiras levas de imigrantes alemães chegados com a tarefa de colonizar terras virgens. É por conta dos alemães que se festeja a 25 de julho o Dia do Colono.
No correr dos anos, formaram-se colônias alemãs também em Santa Catarina, no Paraná, em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. No total, mais de 250 mil imigrantes vindos da Alemanha chegaram ao país para trabalhar.
Hoje a cultura alemã está presente em “cidades alemãs” como Novo Hamburgo (RS), Blumenau (SC) e Santa Maria do Jetibá (ES), entre outras, e o único trecho realmente ruim dessa história bicentenária foi durante o período agudo do nazismo, derrotado em 1945. E agora vimos os alemães nos darem não apenas um show de bola, mas uma lição de respeito pelas nossas raízes indígenas.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O dinheiro fala. Mas bom mesmo é o dólar, que fala todas as línguas”.
Millôr Fernandes