Sexta, 26 Abril 2024

Vai um cafezinho?

 

O café nas repartições públicas é uma tradição que desafia o tempo, as crises econômicas, o advento do Facebook e as diferenças culturais. Nunca falta, e cumpre múltiplas funções – enganar o estômago vazio, substituir uma refeição, acompanhar o cigarro, ajudar a pensar e tomar decisões, fugir das tarefas enfadonhas, socializar, namorar. Na China essas responsabilidades cabem ao chá, servido em canecas. Todas as mesas de todas as repartições e escritórios têm uma caneca para o chá. Com tampa.
 
Motivo óbvio, se eles tomam chá o dia todo, o que seria do boom econômico se eles tivessem pausas para o chazinho? A xícara, esse pequeno e simples objeto criado por algum gênio esquecido, indispensável tanto na mesa como na culinária caseira, pode se tornar um instrumento revelador do complexo comportamento humano. Não sei como os estudiosos não perceberam o potencial desse apetrecho, que daria importantes esclarecimentos sobre nossas nuances morais, sociais, espirituais.
 
Não é preciso ter muita sensibilidade para captar a beleza e o puro brasileirismo dos balcões de bares onde o cafezinho é tomado em pé, na pressa entre o ir e vir sabe Deus e o freguês de onde para onde. As xícaras borbulhando na água fervente quase dançam no rítmo agitado das bolhas. Feitas de grossa louça branca, impressas com a marca do café da vez, esperam ao lado da grande máquina metálica soltando fumaça e jogando no ar aquele aroma que faz mesmo o mais atrasado trabalhador fazer a pausa que reaquece.
 
Como naquelas casinhas de coelhos dos antigos parques de diversão, talvez o servidor da bebida fique indeciso no momento de pegar uma delas – qual escolher? Nos lares Brasil a fora, do Oiapoque ao Chuí,
 
elas também esperam pacientemente as visitas que, cedo ou tarde, hão de chegar. Será? Hábitos que vão se perdendo, a visita e o cafezinho acabado de passar, servido em delicadas xicrinhas que, mais das vezes, estão na família há anos ou são as ultimas peças dos presentes de casamento.
 
Nos meus tempos de professora no interior alegrense, hospedada em sítios e fazendas, admirava esse duplo ritual obrigatório dos fins de semana. O café então era adoçado com rapadura e nunca servido em copos. Dependendo do nível do visitante, também rosquinhas de chuva feitas em casa, usando-se uma xícara adulta como medida para o trigo e o açúcar. Quem ainda visita, quem ainda serve o café coado em filtro de flanela? As xícaras persistem como medidoras oficiais das receitas de todos os tempos.
 
A mimosa xicrinha do nosso cafezinho social não existe aqui. Os líquidos quentes, de um modo geral, são tomados em canecas de louça, que viraram também, como as camisetas de malha, mais um espaço para mensagens, sem sociais, políticas, religiosas, afetivas, propaganda, louvor, decoração, nomes, fotos, e os etcs: Melhor mãe do mundo; O advogado é um cara legal; Papai que paga; Vote Democrata; Amigos para sempre; Não salve seu texto, Jesus salva. Enfim, cumprem a dupla função de nos alimentar, e transmitir amor e carinho, informar, doutrinar, doar sorrisos.
 
Essas canecas são chamadas mug, embora mug também seja o nome daquelas fotos horríveis tiradas pela polícia. Não pré-julguemos, muitos fotografados são bonitos, mas a função da foto é nivelar todos na mesma feiura. E muitos são inocentes até prova em contrário. A caneca porta-mensagens americana e a caneca com tampa chinesa são ótimas e também tradicionais, mas não têm o charme e a nobreza das nossas doces chicrinhas de louça.

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