Terça, 16 Abril 2024

Vazio existencial

“É assim o ser humano: tão vazio que se preenche com qualquer coisa, por mais insignificante que seja”.  Pode parecer deprê e desesperador, mas cada vez mais atual a visão de Blaise Pascal, filósofo francês do século XVII.


Dentre as perplexidades, quero iniciar com o modismo, ou a explosão das novidades na rede. 


Como admitir que “viralize” alguma coisa tão abaixo da mediocridade como “Caneta azul”? O que faz as pessoas utilizarem seu tempo para a contemplação de tamanha futilidade se não o vazio existencial e a falta de sentido de cada um de seus dias?


A partir dessa reflexão, podemos elevar o olhar para os responsáveis pelo gerenciamento das cidades para constatar que administram, muito confortavelmente, baseado nessa idiossincrasia. Basta questionar o direcionamento da mobilidade, que sempre prestigia os equipamentos em detrimento da pessoa, desde a diferença do cuidado com a pavimentação das ruas e avenidas, tão superior ao cuidado com as calçadas e praças, passando pela sincronia dos sinais de trânsito, que ignora completamente a prioridade do cidadão frente à fluência do tráfego de veículos, até a destinação dos espaços públicos, sendo privatizados à instituições, ONGs e utilização comercial.


Para completar o entendimento da questão, retornemos ainda mais na história, indo do século XVII citado, para o século IV a.C. quando a Polis era discutida em praça pública. A Àgora “evoluiu” para as Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional, com a absurda diferença de serem lugares onde o povo não tem participação. Seus representantes nessas instituições estão muito mais afinados com Maquiavel, no sentido de atuarem para se manterem no poder, que de Platão no sentido de administrar “A República”.


Se elevarmos ainda mais esse olhar focando na atual administração do país, o que já está fora de sintonia desafina completamente. A reforma da previdência, o direcionamento da educação para a formação de “recursos humanos” (aliás, as pessoas e toda a natureza foram transformadas em “recursos”), as alterações nas leis de trânsito, só para se ter uma ideia, ignoram o interesse das pessoas comuns, que são a absoluta maioria, em favor do interesse das empresas e das classes privilegiadas, transformando a coisa pública num grande e lucrativo negócio.


Do confronto da situação, com a aceitação pacífica por parte da população, diante dessa crise no direcionamento de valores, precisamos beber em Albert Camus, existencialista francês, com sua filosofia do absurdo. Camus criou o mito de Sísifo, condenado a empurrar uma pedra montanha acima durante o dia, que retorna à base, recomeçando Sísifo o mesmo trabalho no dia seguinte e eternamente. Esse absurdo exige o confronto e a revolta para a significação da vida, de cada um de seus dias, ou seja, é preciso que o povo deixe de aceitar essa autoimagem pacífica e conformada de ter seu destino nas mãos de governantes totalitários e reaja para que não seja suicida.  


Com tantos elementos reflexivos oferecidos pela Filosofia, podemos perceber claramente que não é à toa que esses regimes querem suprimi-la da educação básica, coisificando cada vez mais o sujeito e se aproveitando de seu vazio, suprido por bobagens da liquidez provocada por essa velocidade de informações que nada lhe acrescenta, mas apenas distrai. 




Everaldo Barreto é professor de Filosofia

 

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