Quinta, 02 Mai 2024

'Acredito que a arte também pode ser contra lei'

'Acredito que a arte também pode ser contra lei'



O grafite pode humanizar e transformar o espaço urbano. A arte de rua interage o tempo inteiro com a cidade e seus transeuntes - quem nunca admirou um desenho em um muro, ou se surpreendeu com os personagens engraçados, as poesias e as frases provocativas nos pontos de ônibus de Vitória? 
 
Thiago Balbino foi um dos artistas que participou do projeto Pontos de Arte, contemplado por um edital da Prefeitura de Vitória, mas pouco tempo depois teve sua obra apagada e tachada de vandalismo pela própria Prefeitura. Diante disso, ameaçou processar a administração pública, mas a situação tomou proporções enormes. Logo as pessoas se mobilizaram em apoio o grafiteiro e um advogado apareceu para defendê-lo. 
 
Entretanto, Thiago optou pelo diálogo. “No final dessa bagunça toda cheguei à conclusão que o meu trabalho é tinta e que não valia a pena ganhar um dinheiro em cima de um trabalho que foi apagado”, diz. 
 
O grafiteiro deseja ficar conhecido pelos seus desenhos que estão vivos pela cidade, “ter um trabalho associado a vandalismo é uma questão que nem me incomoda muito, porque acredito que arte também pode ser contra lei”, explica.
 
Thiago, que hoje tem seus desenhos em diversos muros de Vitória e Vila Velha, quando mais novo já teve medo de se arriscar pelas ruas e preferia ficar na segurança do papel e das carteiras da escola. Ele se lembra de que desenha desde criança e que sempre foi muito incentivado pela mãe e pelos amigos, para quem fazia pequenas revistas em quadrinhos e caricaturas. 
 
“Eu comecei a pensar que aquilo que eu desenhava era bom e chamava a atenção das pessoas”, conta, que demorou um pouco para tomar coragem e comprar suas primeiras latas de tinta e começar a grafitar pelas cidades. Apesar da afinidade com a pintura e o desenho, na época do vestibular Thiago ficou em dúvida de que curso escolher. 
 
Quando na Ufes já estava no curso de Desenho Industrial, ele conheceu o professor de Artes Didico, que lhe disse que ele estava no curso errado e que deveria fazer Artes Plásticas. De volta ao vestibular, Thiago ingressou no curso de Artes da Ufes e se descobriu em uma disciplina chamada Graffiti, ministrada por Didico. “As aulas estimulavam os alunos a fazerem trabalhos na rua e o professor nos indicava para fazermos trabalhos comerciais também”, conta Thiago.
 
O grafiteiro declara que primeiramente busca realização pessoal com sua arte. “Quando vou desenhar na cidade procuro relacionar minha obra com o local e com as demandas que determinados espaços pedem. Não necessariamente eu vou sempre denunciar algo que acho errado, mas sim expressar uma subjetividade deixando espaço para múltiplas interpretações”, explica. 
 
Thiago também deixa claro que não vê diferença entre pichação e grafite, “o que existe é uma separação entre o que é feio e bonito e se for assim o policial se tornará um grande curador da cidade", diz. O graffiti é uma arte democrática e efêmera. A origem da intervenção urbana está na contracultura e, se for legalizada, perderá seu sentido transgressor. 
 
“A dúvida se o graffiti é arte ou não é comum porque ele é uma prática que questiona a propriedade privada”, explica Thiago. A partir do momento que o desenho em um muro de uma casa incomoda o proprietário, ele se torna um problema. 
 
Para o artista, algumas vezes a arte precisa ser um incômodo. “A maioria ainda tem a ideia de que arte é somente aquilo que é belo, quando na verdade a arte tem várias faces e ser desagradável é uma delas”.
 
Recentemente ele morou na Alemanha, onde conciliava as aulas do mestrado com as aulas de alemão. E notou a diferença com que os grafiteiros são tratados. “Lá, a pichação é vista como arte, não há dúvida, mas mesmo assim os grafiteiros ainda encontram problemas quando desenham em certos locais privados”. 
 
Diferente do Brasil, onde o pichador pode ser preso e ter que pagar uma multa de até R$ 7 mil, na Alemanha os grafiteiros são primeiro investigados e depois julgados, podendo até ganhar a causa e preservar sua obra.
 
O mestrado de Thiago é sobre cultura e intervenção urbana. Na pesquisa, ele aborda os aspectos positivos que o graffiti pode causar numa comunidade. Ele conta que antes de viajar, ele participava de uma crew (grupo de grafiteiros), que tinha como objetivo trazer algo agradável para as pessoas através da arte. 
 


“Fizemos um trabalho muito interessante na Cracolândia em Vitória, uma região perto da rodoviária. Nós pegamos uma casa de uma senhora que era a mais detonada de todas do morro e ela sofria preconceito dos outros moradores por isso. Nós demos uma geral na casa dela, pintamos e escrevemos frases agradáveis e ela ficou super feliz”, conta Thiago, para explicar o objetivo da sua pesquisa: melhorar a vida das pessoas por meio da arte urbana.
 
Aqui no estado, o grafiteiro avalia que há muita demanda para trabalhos como esse e também para trabalhos mercadológicos, mas ainda estamos longe de chegar ao nível do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. 
 
“O interessante é que aqui há uma união entre os grafiteiros, não há brigas entre os grupos e por isso foi muito fácil nos reunir e pensar nos nossos objetivos em relação a limpeza dos pontos de ônibus e também sobre a multa de R$ 7 mil cobrada por pichações não autorizadas”, diz.
 
Depois da questão dos pontos de ônibus esclarecida, Thiago conta que, até mesmo dessa situação, conseguiu tirar algo de bom. Houve uma aproximação entre a prefeitura e os artistas de rua e foi conversado sobre a multa, que será suspensa por enquanto e que haverá mudanças quando ao graffiti ser considerado um crime ambiental.
 
“Problema de tinta se resolve com tinta, não adianta nada cobrar essa multa de um artista que esta começando agora. Primeiro que isso vai desmotivá-lo e segundo que esse dinheiro não será usado para cobrir a pintura no muro”, afirma Thiago. O grafite é uma manifestação cultural legítima e deve ser tratado como tal.

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